Depois de Trair

Talvez se continuasse a beber de teu leite, jamais me esqueceria, jamais me embriagaria para poder suportar beber de outros corpos. Talvez, se não aceitasse outros seios consoladores, não fingiria tantas vezes ter felicidade.Não ouviria gemidos ensurdecedores em noites que deveriam ser de prazer.Não acordaria com corpos que talvez pudessem até ter um nome.

Se por acaso não tivesse te deixado ir, talvez não tivesse levado de maneira tão vil o meus melhores sorrisos e as minhas mais coloridas esperanças, meus falsos eternos amigos.Talvez hoje não acharia que o melhor momento do meu dia é o que eu não vivo de fato, o que eu durmo.

Todos pensaram que tirar meus bens seria o pior que você poderia fazer.Pois teu ódio te dominou e para me castigar tirou-me o dinheiro e me deixou com migalhas.Levou minha geladeira, meu fogão, minha dignidade e meu nome.Na tua boca me chamo vadio.Valho talvez menos que teu escarro.

Me deixou cabelos brancos que nascem incontrolavelmente pelo meu corpo, um bolo de carne cansada, amassada por tantas mãos bem pagas, que ás vezes penso que a Puta sou eu.

É mulher... Minha boca nem ousa mais pronunciar teu nome, pois de tanto contar a tua versão da história em que a culpa não é tua, viraste santa e eu vagabundo.Por isso, não ousaria falar teu nome em vão.E nem lembrar das noites em que te profanei, em que teu corpo “tão sagrado” foi tratado como de tantas outras que tive.

Queria eu também, não te ver assim tão casta, queria eu ver a demônia a quem evoquei tantas vezes, que incendiou a minha cama, o meu chão, a minha pia e a minha escada , com sua fome incessante, com seu amor pouco puro, com tuas vontades egoístas.

Queria ver a mulher que me irritava quando se fazia de feia de manhã, só para não me alimentar com o prazer matinal cujas lembranças me arrepiavam durante o dia!

Se fosse só dinheiro o problema, te encheria de geladeiras, fogões, vestidos e sapatos, trabalharia dia e noite só para morrer em teus braços e ressuscitar mil vezes.Todos os dias seriam de Páscoa carnal, você comeria a minha carne e eu a tua, para depois renascermos.A nossa cruz seria somente a vida lá fora.Mas não, isso não te basta, tudo que posso é tão pouco, talvez nem meus filhos mais queira e se os tivesse feito, de santa viraria Medéia.

Não quero mais peitos sem rostos, rostos sem rugas, rugas sem história. Sem minhas histórias! Rugas causadas por outros homens. Não quero mais mulheres com tanta esperança no mundo ou em mim! Mulheres esculpidas me enjoam, são tão falsas como comida de microondas, tão avidamente comidas como lanches de fast-food.Não as quero mais!

O eu, que não sou mais, queria. Queria saber que sabor tão comercial elas tinham.Se elas tinham o gosto do comercial de televisão, se acordavam sem bafo, se não iriam me cobrar gentilezas românticas adolescentes.Nem me obrigar a ver mães, tios, primos que não sou meus e por isso não tenho obrigação de amar.E não amo!

Depois, vi que suas mãos eram muito duras, pois não foram moldadas ao meu corpo. Que seus desejos muito pornográficos (muito mais do que eu ou minhas revistas, acredite!)E que eu definitivamente não era aquele homem do comercial, que não tinha a virilidade dos filmes e que talvez fosse tão sensível como você tantas vezes me fez parecer.

Senti ódio de você por isso.Por ter destruído a minha fantasia de homem de 40 anos, por ter me feito realizá-las e por não ter me perdoado!

Queria agora, se pudesse, que elas fosse só frutos de uma imaginação proveniente de uma crise como a de muitos amigos meus, para que assim elas, tão pequenas, não me tivessem transformado no vagabundo que virei para os teus olhos

Kátia Moraes
Enviado por Kátia Moraes em 21/03/2008
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