AMANHECEU

AMANHECEU

(Ivone Carvalho)

Após me virar inúmeras vezes na cama, sem encontrar uma posição que me permitisse sentir o corpo descansado, relaxado, pronto para dormir com a tranqüilidade e a paz que eu gostaria de estar sentindo, meus olhos, ainda fechados, perceberam que uma tênue luz já avançava no quarto e que, embora estivesse deitada há algumas horas, poucos foram os minutos que eu conseguira “sair do ar” e dormir.

Entretanto, o amanhecer me forçava a deixar a coberta que às vezes me fazia suar e em outras me levava a buscá-la com ansiedade para aquecer o corpo que parecia tão frio a ponto de me fazer sentir doerem os ossos.

Bom seria se eu pudesse permanecer ali por muito mais tempo. Porém, dormindo! Sim, porque acordada os pensamentos aceleravam, se avolumando e tumultuando a minha mente que se sentia ainda mais cansada, aumentando o meu desejo incontrolável de manter os olhos fechados sem que vissem até mesmo as imagens provocadas pelo tumulto dos desordenados pensamentos.

Mas, amanhecera! E um novo dia eu deveria viver. Oh, Meu Deus! Como é possível presenciar o nascimento de um novo dia sentindo que vivê-lo é uma obrigação? Como não agradecer pela dádiva recebida de poder viver mais um dia, tendo ciência de que ele será melhor para mim do que para tantas pessoas que não poderão ver a claridade penetrando o quarto, ouvindo os pássaros cantando lá fora indicando o amanhecer, podendo me virar na cama quantas vezes eu quiser ou sentir necessidade, com a capacidade de me levantar sem necessitar da ajuda de quem quer que seja?

Como posso não me sentir grata por ter a felicidade de estar capaz de pensar, de imaginar, de sentir o frescor da minha pele, de poder tocar os meus cabelos que, embora brancos naturalmente, estão ali, enfeitando a minha cabeça? Como é possível alguém como eu, que sente o amor transbordando no peito, em vez de agradecer essa imensa capacidade de amar a tudo e a todos, ter coragem de sentir o nascimento de um novo dia como se fosse um peso que deverá ser carregado pelos meus ombros?

Levantei da cama tropeçando em mim mesma, em busca da janela que eu sabia onde estava, mas que a tênue claridade não me permitiria, jamais, errar o caminho.

Abrindo-a, deparei com a imagem de Deus ante os meus olhos! Ele estava ali, com toda Sua Magnitude, Onipotência e Onipresença, nos raios do sol que denunciavam o descanso da noite e a sua incansável função de nos dar o seu calor e a sua luz; nas folhas das árvores que balançavam harmonicamente ante o sopro do vento matutino, leve brisa que também tocava o meu rosto, como se fosse o próprio Deus me beijando, me acariciando, me desejando um bom dia! Também se fazia presente nos passarinhos que pulavam de galho em galho, cantando o hino do amanhecer, numa sinfonia naturalmente ensaiada diariamente, como um sagrado canto orfeônico de várias vozes, onde as respostas eram imediatas e inteligíveis a todos eles. E por que não também a mim?

Olhei para o firmamento e vi as brancas nuvens já mostrando suas caretas e formas, brincando no céu como se agradecessem o novo dia!

Um suave movimento da cabeça me permitiu ver a grama úmida do orvalho da noite e uma borboleta colorida beijando uma rosa, também lhe desejando um bom dia!

Como eu me senti pequena e ingrata! Quantos presentes eu recebi por viver mais um dia e ainda tive a coragem de me imaginar sozinha, obrigada a viver um dia que eu não pedi para ser vivido e, mesmo assim, a Bondade Divina havia me oferecido com todo Amor!

Não, eu não o deixaria simplesmente passar!

Uma prece de agradecimento, um delicioso banho sentindo toda energia negativa se esvaindo com a água pelo ralo, uma roupa leve e confortável, preferencialmente de cor clara para atrair ainda mais a paz e a alegria e para combinar com as cores da natureza, os cabelos soltos, escovados e caídos sobre os ombros para que o vento pudesse brincar com eles, a primeira refeição do dia para cuidar ainda melhor do meu corpo físico e, daí para frente, tudo que sentisse vontade de fazer! Caminhar, dançar, fazer exercícios, cantar, ouvir música, telefonar para algum amigo ou amiga apenas para dizer “te amo”, pensei em você, como está?, desejo-lhe um dia lindo! Sair com ou sem destino: para trabalhar, ver gente, ver vitrine, tomar um sorvete, comer um cachorro quente na barraquinha da esquina, entrar naquela confeitaria que me faz engordar só de olhar os doces expostos, parar numa praça, sentar num banco e olhar a criançada brincando, correndo, gritando e, quem sabe, brincar com elas também. Talvez ir até uma instituição beneficente e ali doar um pouco do meu amor. Observar os rostos das pessoas que transitam apressadas e ficar imaginando o que se passa em suas mentes, como estariam os seus coraçõezinhos, para onde irão, como estão se sentindo. Parar numa banca de jornal e talvez comprar uma revista nova para ler mais tarde. Passar num bazar e comprar alguns novelos de lã para tricotar diante da televisão, à noite. Entrar numa loja de informática ou de aparelhos eletrônicos e olhar as novidades que vi na internet mas que ainda não vi pessoalmente.

Voltar para casa e sentir o prazer de cuidar do meu cantinho, do meu lar. Cuidar das flores que estão nos vasos, arrumar um armário, limpar o que estiver necessitando de limpeza, fazer uma comidinha gostosa, ver TV, assistir um filme, ligar o computador e escrever algumas mensagens, para que as pessoas que eu amo saibam que continuo pensando nelas, ler um bom livro, estudar qualquer coisa porque estudar nunca é demais! Escrever bobagens como estou escrevendo agora! Deixar a inspiração se soltar e compor uma poesia.

E, não esquecer, em momento algum, de agradecer a Deus por ter a capacidade e a possibilidade de ter vivido mais um dia, aprendendo, crescendo, vigiando, evoluindo!

12/03/2008

IVONE CARVALHO
Enviado por IVONE CARVALHO em 12/03/2008
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