Alma dom Martin/Iracema

Alucinação

Não sei se o abaixo suaviza ou inflama tua alma contra mim. Mas, digo-te: nasci juntamente com o regime de Castelo Branco. Sou impregnado da pragmática militar; mais do que isso, o ambiente em que nasci e cresci também o era; e era tão forte que o artista que desejava conquistar o grande público, fazia canções para os heróis do povo, os ‘paramentado’.

Refiro-me a Belchior, cantor famoso; conquistou fama de bom compositor no Sul e foi interpretado por estrelas nacionais como Elis Regina, Chico, Simonal, Betânia, Fagner...

Creio que Belchior elogiava o militarismo numa linguagem rasgadamente popular, para realmente ser entendido por todos. Porém, quando criticava os militares (geralmente em teatros caros) usava linguagem rebuscada que somente os ‘grandes’ entendiam.

Coincidência ou não, jamais foi exilado. Eis a canção que foi tão consumida quanto Asa Branca:

“... jovens coloridos, dois policiais,

cumprindo seu duro dever

e defendendo seu amor

e nossa vida”.

Aos intelectuais, em luxuoso recinto fechado, cantava a necessidade de derrubar o Sistema:

“... eu era alegre como um rio, um bicho, um bando de pardais

... mas veio o Tempo Negro e a Força fez comigo o mal

que a Força sempre faz...

...se depois que eu cantar... ainda quiser me atirar,

mate-me logo, às três...a noite tenho compromisso importante

e não posso faltar por causa de vocês...

... viver é que é o grande perigo”.

Percebe a relação estranhíssima de amor, tesão e ódio? É a alma do povo cearense imbuída duma simbiose acéfala entre militares, Castelo Branco e a liberdade democrática. Sempre foi assim, considerando que o homem é produto do meio; meio que recheia a literatura popular (cordel) de fatos históricos seguintes: elite liberta os escravos do Estado 10 anos antes do resto do país, afrontado o Império; Confederação do Equador quer trazer Napoleão ao Brasil, enquanto a família Imperial se refugia aqui; e a República do Crato que transformou o Estado em País da Liberdade, segundo o iluminista francês Victor Hugo.

Tudo o que eu disse não é para reivindicar, nem para ofender. É somente para aliviar a alma carregada, teimosa, atormentada... Se ser cearense fosse como ser militar, eu seria um Lamarca: tiraria a farda e gritaria chega de guerra surda, suja; quero festa no meu peito.

Forte abração,

Antonio Jotta.