NÃO EXISTE SOLIDÃO

NÃO EXISTE SOLIDÃO

(Ivone Carvalho)

Ainda que não queiramos ou não consigamos ver ou sentir, não existe sombra sem luz, lágrima sem sorriso, derrota sem vitória, inverno sem verão, outono sem primavera, desilusão sem esperança, velhice sem juventude, morte sem vida e tampouco solidão completa!

Em sua infinita bondade, o Criador pensou em tudo para que jamais pudéssemos viver, um minuto sequer, sem sentirmos que simultaneamente àquilo que não nos agrada existirá, sempre, um perfume, uma cor, uma sensação, uma visão, uma atitude, um gesto, um gosto que nos faça bem, que nos faça lembrar a importância de tudo que existe em nossas vidas, em nossos corpos, na natureza, no Universo.

Há determinadas fases de nossas vidas em que tudo nos parece ter chegado ao fim, em que nos confinamos em nós mesmos, como se pérolas dentro de ostras, criando uma redoma que nos afaste do alcance do mundo.

Nessas ocasiões, fechamos os olhos e não conseguimos olhar sequer para o nosso interior; tapamos os ouvidos e não ouvimos nem mesmo os gritos de nossa alma; cerramos a boca e nos proibimos até que sintamos o nosso próprio hálito; vestimos um manto nos furtando o direito de sentirmos até mesmo o frescor de uma suave brisa que poderia ser o toque mágico que a natureza nos fornece, presenteando-nos com a certeza de que a vida existe através do ar que respiramos, da sensibilidade existente em nossa pele, da carícia divinal que nos toca.

E, se não acordamos em tempo, corremos o sério risco de nos mantermos vegetando, sem aproveitarmos as oportunidades de vivermos momentos que nos elevam, que nos ensinam, que nos permitem evoluirmos espiritualmente - razão maior desta vida.

Quando crianças, queremos aprender e entender, e vivemos perguntando, ansiosos por respostas que satisfaçam a nossa curiosidade.

Chegamos à juventude e, certos de conhecermos melhor a vida do que os adultos e os velhos que, aos nossos olhos, não souberam aproveitar tanto quanto nós e tampouco tiveram condições de tanta aprendizagem, passamos a querer mudar tudo que não condiz com aquilo que julgamos verdadeiro, promissor, autêntico. E nos permitimos paixões de todos os tipos: por pessoas, pelo trabalho, pelos esportes, pelo estudo, por valores que são tão nossos e que nos orgulhamos de apresentar aos outros. E discutimos, e nos expomos. E sonhamos! Ah! Como sonhamos!

Adultos, nos deparamos com o excesso de responsabilidades, compromissos, e, apesar de uma grande corrida contra o tempo, somos abençoados com a possibilidade e a concretização dos nossos mais remotos sonhos, formando uma família que nos tem por raízes, através da qual podemos materializar o nosso aprendizado, entregarmos todo nosso amor, colhermos os mais saborosos frutos nascidos do carinho e das sementes que regamos com amor e cuidado, dentro dos princípios de moral, fé, dignidade e responsabilidade que aprimoramos durante a nossa existência.

E, num dado momento, sentimos, gratificados, a sensação do dever cumprido. Os cabelos se tornaram brancos, a pele já não tem a suavidade de uma pétala de rosa, há marcas do tempo em nosso corpo, a velocidade diminuiu, o cansaço físico se faz presente mais acentuadamente.

Mas, como não poderia deixar de ser, e a exemplo do que fizemos por toda vida, passamos a refletir sobre tudo que plantamos, tudo que colhemos, tudo que conquistamos, tudo que perdemos.

E constatamos quantas foram as nossas perdas. Perdemos pessoas que amamos muito, pois assim é a vida. Temos um tempo limite para permanecermos nesta vida material. Alguns, por mais tempo, outros, apenas marcam sua existência entre nós.

Sofremos inúmeras decepções, vimos sonhos que tinham tempo certo para serem realizados, não concretizados. Detectamos quantas vezes falhamos, nos omitimos, nos amedrontamos, tiramos o nosso time de campo antes do momento certo, às vezes pela nossa impaciência, outras pela nossa ansiedade, muitas pela desilusão e desesperança, inúmeras pela nossa incompreensão, tantas pela nossa covardia, outras pela absoluta falta de fé, em nós mesmos ou em Deus.

Mas toda moeda tem duas faces. E jamais podemos deixar de olhar o outro lado!

Durante essa mesma reflexão, é imperioso que saibamos valorizar tudo que ainda está ao nosso alcance. Ao alcance dos nossos olhos, dos nossos ouvidos, do nosso tato, da nossa boca, das nossas mãos, das nossas pernas, dos nossos braços, do nosso coração.

E o nosso primeiro agradecimento e satisfação devem ser à capacidade de pensar, de refletir, de ponderar, de analisar, que continuamos tendo. Direitos inalienáveis e intransferíveis que nos acompanham desde que nascemos.

Capacidade de enxergarmos, ainda que o órgão da visão já não funcione com a perfeição de outrora, a beleza das cores, da natureza, do ser humano, dos animais, dos alimentos, das flores, do sol, das estrelas, do luar, do mar, da frigidez de um olhar.

Capacidade de sentirmos os perfumes que nos envolvem: das flores, dos alimentos, das árvores, do mato, da terra, de cada ser, o nosso próprio.

Capacidade de ouvirmos cada som que chega até nós: o cantar dos pássaros, a melodia do vento, o uivo do cão solitário em plena madrugada, o choro de uma criança e também dos adultos, o som da TV, do rádio, do teclado, do ventilador ou do ar condicionado, da mosca ou pernilongo que zumbe no ambiente aparentemente silencioso em que nos encontramos, da água pingando de uma torneira, das ondas do mar no seu vai-e-vem, dos gritos da nossa alma.

Capacidade de sentirmos o sabor dos alimentos, de um beijo, da lágrima que nasce dos nossos olhos para morrer nos nossos lábios.

Capacidade de utilizarmos o nosso tato, apurando a diferença entre o liso e o enrugado, o quente e o frio, o seco e o molhado, o calor de outro corpo, além do nosso próprio.

Capacidade de nos locomovermos, de abraçarmos, de pegarmos no colo, de buscarmos um colo, de nos tocarmos e nos sentirmos absolutamente vivos!

E, divinamente, a eterna capacidade de continuarmos sonhando, realizando, nos doando, nos entregando, nos amando e amando incontestavelmente aos nossos irmãos, aos nossos frutos, a quem aprendemos a amar nesta e em outras vidas e que amaremos eternamente.

E todas essas certezas nos levam a concluir que jamais estamos ou estaremos solitários.

Muito mais do que a presença de outro ser ao nosso lado, temos a nossa própria presença e, acima de tudo, a presença do Criador que, em momento algum, permitiria que algum dos seus filhos vivesse na solidão, nem que quisesse por, na sua ignorância, acreditar que isso seria possível.

Temos pleno conhecimento de que o nosso tempo nesta vida terrena é limitado, graças a Deus!

E, exatamente por isso, é nossa obrigação vivermos cada momento da melhor forma possível, aproveitando os nossos dons, aplicando o nosso aprendizado, praticando os conhecimentos que adquirimos não só nesta vida, mas em todas as nossas existências, agradecendo, todos os dias, pela nova oportunidade que temos de evoluir sempre um pouco mais.

02/03/2008

IVONE CARVALHO
Enviado por IVONE CARVALHO em 02/03/2008
Reeditado em 02/03/2008
Código do texto: T884430