A NATUREZA NÃO DÁ SALTOS

“você sempre me leva a refletir com seus textos. gosto quando eles são assim, curtinhos. me parece que então tu dizes o que queres dizer sem enrolação. não quero dizer que enrolas ao fazer um texto maior. mas muita coisa não precisaria ser dita. e isso não é típico de Joaquim. é típico de maria. maria devaneia com as palavras sem achar o cerne da questão. sobre o que dizes: bom. ainda bem que somos imperfeitos... senão não precisaríamos de mais ninguém em nossa vida. nos bastaríamos a nós mesmos e passaríamos a vida amando-nos egoisticamente.”

Enviado por Maria em 23/02/2008 07:50.

para o texto: SINA ORIGINAL (T871615)

Maria, mimosa leitora!

Quanto mais moço for o leitor, quanto mais novato em criação literária, mais ele vai preferir os textos curtos, porque isto se assemelha à dificuldade que temos em fazer com que as crianças leiam um livro mais volumoso. Sempre querem terminá-lo rapidamente. Nem sempre permanecem com o livro mais de cinco minutos nas mãos.

Isto também acontece com os jogos do amar, na juventude. Tudo é rápido. Ejaculação quase precoce, em regra. Ansiosa, de chegança com força ao pote. Ou alguma coisa assim, nestes tempos de “ficar”, só pra lembrar as mudanças de “time” e os rituais quase inexistentes...

Há assuntos que são intrinsecamente “enrolados”, complicados. Então se compreende que o autor leve muito mais tempo para desembaralhar as linhas que tecem e entretecerão o texto que, antes de nascer, é um dragão cuspindo fogo, ainda mais se se tratar de tema que condiga com o processo criativo e suas nuanças.

É compreensível que o autor novato ou novo queira fruir textos curtos, principalmente se pretender vir a ser “poeta”.

Porque POESIA é exemplar de síntese, não permite “enrolação”. Lida com o sentido conotativo dos signos, das palavras. Sugere mas não diz.

No texto, a luta é com a busca do exercício de economia de vocábulos a fim de que se chegue à sugestionalidade, imagética e transcendência. E isto é matéria árida pra quem não tem dedicação ao estudo de seu próprio ofício. Enfim, o leitor viaja dentro de suas concepções e experiências pessoais...

Claro que não se está a dizer que o autor tem de conhecer tudo em matéria de elementos próprios de Literatura, Gramática e outros bichos mais. O autor sempre acha que isto não lhe deve interessar.

Pode até que seja um gênio e venha a dar dor-de-cabeça nos professores, mas isto comumente só ocorre com os já experimentados com os “intertextos” sugeridos pelas reiteradas leituras, a publicação de várias obras e já curtidos por sugestões da crítica literária e seus estudos pouco inteligíveis para os neófitos.

Vale lembrar Castro Alves, que morre aos 24 anos e permanece vivo na memória dos brasileiros, apesar de transcorridos mais de 160 anos de sua passagem por este plano.

Talvez não fosse gênio, mas a história pessoal do “poeta dos escravos” registra o quanto se dedicou ao estudo da poesia e da prosa dos europeus, ingleses e americanos, principalmente Heine. Conviveu espiritualmente com os filósofos e historiadores da moda.

E ao escolher a atriz portuguesa Eugênia Câmara como sua parceira entre tapas e beijos, dez anos mais velha do que ele, entregava-se ao amor e optava pela cultura e experiência. O fogo do querer saber caldeou o conhecimento.

A vida produz milagres em quem se entrega ao que acredita.

Enfim, o tempo é o melhor cadinho. E a natureza não dá saltos!

- Do livro CONFESSIONÁRIO – Diálogos entre a Prosa e a Poesia, 2006 / 2008.

http://www.recantodasletras.com.br/cartas/874459