Das impressões do elo rompido ao caro amigo Vinicius e a quem mais for de valia

Quarta-feira, 13 de Junho de 2007

Uma cidade que não estava no mapa. A não ser naquele imaginado. Viveu pouco, mas o suficiente para ser eternizada, assim como os grandes ídolos que morrem jovens. E exatamente por isso se tornam eternos. Suas notas ainda ressoam. Às vezes é a voz do Chico, às vezes a do Vinícius (o de Moraes). Às vezes é Carinhoso à duas vozes, uma imitação de Nicole Kidman e Ewan McGregor, ou Pela Luz dos Olhos Teus em três. Sete gostos nem tão distintos, embora infinitamente diferentes, misturados na mesma canção. Tocando (quase!) sem desafinar por quatro meses. Pouco mais, pouco menos. Os discos estão espalhados pelas casas, bem como certas peças de roupa à devolver. À fim de devolver sentimentos, lágrimas, risos decorrentes de tanta história. O seu cd ainda está aqui. O seu casaco. Aquela calça. O livro, o vídeo. Como um casal que se separa. Deixando filhos desolados. E o que ficou não passa, o eco de um som que há muito- ou nem tanto- se calou. À lembrança da velha piada, rimos sozinhos agora. Ou até por vezes juntos em duplas, versões reduzidas de uma cidade. Ruínas revisitadas. Por um instante a doçura dos bons momentos supera as dores e provoca um sincero sorriso, onde não há maldade, não há tristeza, não há paixão.

Houve aquela vez em que pela milésima vez deram uma festa e foram dormir ao amanhecer. E todo dia era dia de festa na cidade. Foi numa madrugada, estranhas pessoas soltavam fogo pela boca, e tudo começou, mais tarde na piscina, no frio da já quase manhã. E representaram com as cartas de baralho. E era tanta palavra criada que foi necessário um dicionário. E houve o mais famoso jogo de pôquer e os mais belos canapés, os ataques da falta de sono. Do topo de São Paulo, um pedaço de outra cidade, abençoada por um certo deus nome-de-bar. A cidade invadiu um decadente teatro com seu canto, interrompido pela velha quase-personagem. Havia também aquela que vivia ao lado e não podia ser incomodada. No cinema, a única vez, foi Bond. James Bond. Zero, zero, Sete, como o número de seus habitantes. Em sete, seis, cinco, quatro, três, dois. Grupos e semi-grupos. Os três novos-ricos-do-futuro andando de roupão, tomando banho de banheira. À quatro vozes pela rua. Outra vez Noite Feliz ou qualquer outra canção. Natal e Ano Novo, as peças de roupa no chão. As paixões desde sempre, euforia, dúvidas ,conversas sérias como um disco quebrado. O detalhe que tornava a tudo mais intenso e violentamente duro. Os olhares de espanto e tantas, tantas lágrimas! O peso do amor. Contraditório. Gritos e choro na sarjeta. Horas e horas ao telefone. Pela Internet. Virtual e tão real! A guerra eterna, verdade e mentira. O jogo de uma dupla estendendo seus efeitos à tantos. O vai e volta. Os segredos por baixo do pano. Quantos assuntos sérios e mistérios, o passado revelado um a um. E aquele que nunca sabia de nada, pois não estava na madrugada. Quantos colos e consolos...

Foi ainda ontem que acordei e todos estavam na sala. Parece fazer tanto tempo daquela festa de Natal, parece que foi ainda agora. Eu saía do trabalho já sem poder permanecer, o coração sempre disparado e cada dia era uma grande aventura. As milhões de mensagens no celular, e tantos planos. O dia era sempre cheio. Mesmo quando cheio e necessitando estar só. Como naquele Carnaval reclamando, mas incapaz de se ausentar. Disseram que nomear foi o problema, como se palavras apenas fizessem tudo. À intensidade de uma paixão. Que era repleta de seres intensos, embora alguns nem tanto. Aqueles que costumam tentar se auto-preservar acima de tudo. Mas há quem se atira e quebra em pedaços, sem se arrepender. Tinha a cara daquela que vive cada história como a mais importante e com tanta força. Tinha a cara daquela paixão. Em tantas vezes discutindo aquela mesma relação, trancados no quarto. Por vezes daquela que estava ora feliz ao extremo, ora discutindo em torno de um mesmo ponto ferozmente. Daquele que ficava observando antes de pronunciar as sábias palavras. Daquele que esteve sempre pronto à segurar o muro quando ruísse, atento e preocupado. (Fiel escudeiro e os soldados da Rainha protegendo seu Palácio de Cristal. As bombas prestes à explodir e quebrá-lo em milhões de cacos, como o espelho da metáfora. Alguns eram ora os soldados ora os terroristas, sem nunca deixar de ser os primeiros.) A cara dos estereótipos que poucos instantes antes de imaginarem ser o fim, tentavam destruir. Na tal comunidade a auto-intitulada Rainha da Primeira Monarquia Comunista previa a mudança. Sem imaginar a quebra e o que já acontecia ali debaixo dos panos, a intuição por outro lado sempre tão certeira. Nas indas e vindas talvez possa-se culpar às coisas da paixão, o terremoto que abalou as estruturas da tal cidade. Ou talvez não seja necessário procurar culpa, se pensar-se no destino, e que foi o que devia ser sem mais poder ser. Ou que ainda não chegou ao fim como disse ontem a voz vinda do palco. Carma, provavelmente, disse uma sábia pessoa. Mas antes dos quarenta e dois anos é carma da vida passada, re-encontro. Possivelmente a cidade já fora premeditada pelos seus próprios habitantes em sua versão Maior. Os encontros, se alivia dizer, escolhidos por eles próprios, confirmando que algo de tal força vem de velhos conhecidos. “E encontrar-se nesta ou em outras vidas é certo para os que são amigos”- uma frase daquele livro aberta aleatoriamente. Num momento em que tudo ainda parece tão perto, perto o suficiente para doer e ser impossível ser diferente, mas já longe o suficiente para perceber-se o quão verdadeiro foi no momento vivido. Pois logo após o fim há uma negação, uma tendência a perceber-se os aspectos negativos e dizer que tudo fora exagero. Como uma poeira que encobre as vistas tão contaminada pelos sentimentos recentes. O tempo faz as coisas serem percebidas mais claramente. E dia virá em que mais claro se tornará. O futuro a Deus pertence, Deus com aquele outro nome dado por eles. Nunca se sabe quando termina, quando está em pausa, ou quando está para recomeçar. Eis o mistério. Resta viver o presente. E isso não é não pode ser tão ruim.

Elle Henriques
Enviado por Elle Henriques em 16/02/2008
Código do texto: T862043