Falando de Perdas.
FALANDO DE PERDAS
Senti necessidade de escrever sobre um assunto que no momento toma conta de meus pensamentos, e que, de tão freqüente, me instiga a examina-lo de uma maneira mais ampla.
Estou passando por uma fase de alegria mesclada por uma boa dose de dor. Alegria, por ver o meu primogênito, André Luiz, ser chamado para assumir o cargo para o qual ele se credenciou ao prestar concurso para a Caixa Econômica Federal. Dor, por vê-lo partir, mesmo sabendo que ele estará ainda dentro dos limites de nosso estado de Alagoas, mas a quatro horas de viagem, no município de Delmiro Gouveia, extremo oeste, fronteira com os estados da Bahia e de Sergipe.
André já não estava morando propriamente em nossa casa, no Chácaras da Lagoa, pois, devido à distância e à dificuldade de meios de transporte, ele optou por morar durante a semana no apartamento de meus pais, na Ponta Verde, e esporadicamente vinha dormir em nossa casa algumas noites durante a semana, e fins de semana alternados.
Obviamente, isso para nós, seus pais, já foi uma forma de perde-lo, mas, ele estava ali, bem pertinho, e quando a saudade apertava, bastava correr para encontra-lo ou vice-versa. Mas agora é diferente, ele está no sertão de alagoas, longe, sozinho pela primeira vez na vida, tendo que lidar com as primeiras responsabilidades de um homem adulto, sem o apoio físico de sua família, que para ele sempre foi muito importante.
Particularmente, apesar de eu ser muito sentimental, acredito que as pessoas precisam mesmo cortar o cordão umbilical, enfrentar a vida, caminhar com seus próprios pés, quebrar a cara algumas vezes, e com isso, construir o repertório de experiências que vão fazer a história de sua vida.
A perda é de mão dupla. Perde ele, perdemos nós. Mas, esta perda, invariavelmente traz ganhos importantes em nossas vidas. Ele, além de adquirir experiências de vida, experiências profissionais, adquirirá também, novas amizades, conhecerá pessoas, cidades, hábitos culturais que talvez, de outra forma, nunca teria a oportunidade de conhecer. Com a distância, certamente aprenderá a valorizar mais a amizade e o amor que todos nós dedicamos a ele. Eu e Vivian, por outro lado, conquistamos o objetivo que tanto perseguimos durante toda a nossa vida de casados, que era educar nossos filhos dando-lhes condições de enfrentarem a vida e sobreviverem com seus próprios esforços.
Em uma conversa que tive com o André a respeito de sua aprovação no concurso, ele me disse: "painho, pelo menos agora eu sei que de fome não morro mais". Isso reflete toda a preocupação e insegurança que povoam a mente de um jovem varão, recém formado, habitante de um país onde a maioria da população é excluída, passa fome e não tem nenhuma perspectiva de melhora. Morador de um estado onde dominam os clãs familiares que levaram Alagoas, entre outras coisas, a ser o pior estado do país quanto às perspectivas futuras de realizações dos jovens.
Falando em perdas, no momento em que a humanidade vive dias tão difíceis, com guerras entre países; guerras civis onde pessoas da mesma comunidade tiram a vida de seus próprios irmãos; atentados terroristas; tragédias naturais como a Tsunami na Ásia, e o furacão que destruiu a cidade de New Orleans nos EUA, percebo que as minhas perdas são um grão de areia nesse marzão de meu Deus.
Hoje li num jornal, um artigo de uma mãe que há pouco perdera um filho de uma forma trágica, morto por um amigo que numa brincadeira macabra e com a mente enevoada pelo álcool, detonou o seu revólver, acabando com a felicidade de todos que conviviam com o garoto atingido.
Pensando nas grandes perdas que tomo conhecimento, eu só tenho que agradecer a Deus pelas minhas serem tão pequenas diante das de muitos irmãos que sofrem por esse mundo afora.
Eu ainda posso falar com meu filho pelo telefone; ainda posso tê-lo comigo nos finais de semana; com certeza ainda assistiremos juntos a muitos jogos do nosso CRB, e isso para mim é tudo.
Diante de tantas perdas alheias, não posso exigir muito mais da vida. Sei que ela, a vida, é um círculo, e que dá muitas voltas. Eu que já tive algumas perdas, e certamente terei muitas outras, no momento, tenho mais é que aproveitar essa felicidade relativa.
Para concluir este meu pensamento, transcrevo aqui dois breves trechos do livro "Quando me Amei de Verdade" (Kim McMillen & Alisson McMillen – Sextante – Rio de Janeiro 2003 , pgs. 54 e 78) :
" Quando me amei de verdade,
comecei a escrever sobre o que eu vivia e o que eu pensava, porque compreendi que era meu direito e minha responsabilidade."
"Quando me amei de verdade,
aprendi a chorar as dores da vida no momento em que elas acontecem, em vez de sobrecarregar meu coração arrastando-as por aí."
É assim que vejo as coisas. Muitas vezes reclamamos da vida pelo que ela não nos deu, ou pelo que ela nos deu e tomou, mas, se olhássemos para os lados, veríamos que as nossas perdas, em sua quase totalidade, não passam de meros estímulos para o nosso crescimento espiritual, e, sem esse crescimento, sem essa evolução, não iremos a lugar algum.
Maceió, 13 de setembro de 2005.