SOBRE O OVO DE COLOMBO

(Para o que amamos, nós temos gênio. Ortega y Gasset.)

Poetamigo!

Que bom que visitaste a home page do nosso amigo. Ela publica mais prosa do que poesia. Longos textos muito sofríveis, cacetes. Muita gente primária e sem trato literário, muito pouco lidas, inexperientes no fazer. Tem outro problema. Como o tratamento visual das mensagens é muito precário, seco, só puro texto, nem consigo ler mais de dez por cento do que chega. Mesmo assim devemos estar “ligados” para alguma surpresa favorável. Revelações não ocorrem muito seguidamente!

E nem adianta querer alertar para os organizadores de páginas e links. Estes vivem disso, do sumo, da vaidade dos precoces eventuais e, às vezes permanente, dos autores que insistem em publicações, mesmo que custosas, não só na Internet, mas, principalmente em papel. É só brilho de qualidade gráfica, muitas vezes nenhuma linha de bom texto!

De quem não lê bons autores é erro esperar bons textos! Aliás, na maioria dos casos, o primeiro livro é fruto de um aborto por amor a si próprio, sem noção de que, em Arte, é preciso não só a “espontaneidade”, como dizem os platinos, ou a “inspiração”, como falam comumente os povos europeus, principalmente os portugueses.

Só isso não produz Arte, porque o depoimento pessoal, o usual confidencialismo não chega a ser Poesia. Muitas vezes são versos que não contém Poesia, meros arroubos sensitivos frutos da descoberta do mistério dos meandros do amar e dos impostergáveis desejos de juventude!

O verdadeiramente importante é o tratamento da Palavra, que somente se dá na segunda fase, a da transpiração, do trabalho, do estudo sobre a idéia original. Sou discípulo desta corrente eclética que reúne inspiração e transpiração, assim nunca tenho pressa na confecção do poema. Tampouco na publicação de livro. Nem quero editor que me exija assiduidade de publicação.

Não tenho e nem pretendo obra vasta. Busco a qualidade textual. Trabalho os textos poéticos à exaustão, até que realmente contenham Poesia (com "P" maiúsculo). Sou o oleiro que amassa o barro e faz os tijolos, a telha, as tijoletas, os ladrilhos. De vez em quando coloco algum vidrilho para deixar passar a luz que vem difusa. Na real, sinto-me um laboratório de mim próprio!

É o cadinho intelectivo que constrói o poema, porque a Poesia, em si, é o etéreo, o não visível. E há Poesia em tudo o que existe no mundo.

Curiosamente é na tristeza – no fardo pesado das perdas – que a idéia se sobrepõe. Ilusória como tudo aquilo que nasce de um prestidigitador, um mágico de ocasião. Mas a estética poética – com o seu alumbramento e mistério – consome o que é hostil ao criador literário, no mundo real, o dos simples viventes.

E o Sol pisca para o poeta, pedindo calma, porque os dias serão melhores a partir desta nova visão lírica quase sempre otimista, porque desejosa de mudança no “status quo”. O poema tem o condão da pretendida mudança. É a varinha mágica...

E uma coisa é cunhar as palavras, os signos, em Poética, e reuni-las para formar o poema, que é a materialidade da Poesia – a criatura viva, autônoma, o ente visível.

Outra coisa é juntar poemas e pretender reuni-los em livro. É preciso que haja um fio psicológico que encadeie os poemas, com início, meio e final, em cada obra. Aliás, isto não é novidade. Todo poeta que se preza sabe que cada poema tem de ter introdução, desenvolvimento e conclusão.

Afinal, a Poesia tem os seus cânones estéticos em cada época. É só isto o que muda no transcurso dos tempos. A genialidade nunca se adapta a cânones comuns. Permanece durante séculos como parâmetro a ser copiado e desafiado por outros humanos de gênio, de espírito criativo.

A maioria dos livros de poemas que conheço são, em verdade, coletâneas de um único autor, pois não contém unidade temática, nem este fio que prende o leitor e o orienta nas descobertas do universo do autor, propiciando a eventual identificação deste com o universo do leitor. Esperar conseqüências no agir, no plano da realidade? Sei lá! E isto será mais importante do que a sensação de felicidade que a beleza estética suscita, propõe e efetivamente cria em seu leitor?

Assim o OVO DE COLOMBO (*), obra em que estou trabalhando com afinco no presente momento, é um bebê que apenas começa a caminhar.

Tenho outras três que estou a trabalhar faz mais de vinte anos, principalmente a de poesia regionalista, que se chama DE QUANDO O CORAÇÃO ABRE A CORDEONA, iniciado em 1978.

Estou com muitas dificuldades para juntar poemas de vertente nativista, porque acho que esta minha fase já passou. Perdi o contato com o campo e o grupo de criadores que era o cadinho de cultura, lá por 1981/83, se dispersou. O diuturno ambiente urbano – com suas mesuras e trato ladino – se assenhoreou de meu circunstancial. A grande cidade me engoliu.

Percebo que perdi o interesse pelas questões, forma e formatos da linguagem do campesinato. Mas o temário da injustiça social está vivo no campo e na cidade e vive a me inquietar.

São vinte e quatro anos de mancebia com os fantasmas que se escondem em cada poema. São tão íntimos que os chamo por seus nomes e sei de seus hábitos. Longe de serem heterônimos de mim, como os de Fernando Pessoa, gênio português, os meus avoengos são desataviados e andejos. Os poemas são suas choças, os seus barracos. Tudo território de invenção.

Grato por haveres permitido a reflexão sobre estes temas bem difíceis de tentar explicar. Tudo tentativa. Talvez o teu processo pessoal de criação seja bem menos complexo. Afinal, sou uma "craca", aquelas porções cálcicas que se aferram nos paus cravados no mar durante longo tempo. Nada é mais difícil de remover do que elas.

Cinqüenta e seis anos é um razoável tempo para sol e chuvas.

(*) Título do livro em preparo desde 1999, sobre o qual o colega escritor queria informação privilegiada. A obra OVO DE COLOMBO saiu em 2005.

– Do livro CONFESSIONÁRIO – Diálogos entre a Prosa e a Poesia, 2006.

http://www.recantodasletras.com.br/cartas/854649