Andanças pelo Estado do Tocantins**

**Essa Carta foi redigida por uma das pessoas mais inteligentes e agradáveis que já conheci em toda minha vida, a Drª Erika Schlenz do Departamento de Zoologia do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IBUSP). Nela, a Drª Erika apresenta um registro riquíssimo de uma de suas visitas ao Estado do Tocantins, onde participou das atividades de campo do “Projeto Quelônios da Ilha do Bananal”, no rio Javaés, entorno do Parque Nacional do Araguaia.

Naquela época, esse Projeto era executado pelo IBAMA e contava com apoio da UNITINS (Universidade do Tocantins), do Instituto Ecológica de Palmas e do Instituto Earthwatch de Boston, Estados Unidos. Hoje, o Instituto Chico Mendes é o órgão federal responsável por sua execução.

Espero que a apresentação dessa belíssima carta da Drª Erika Schlenz sirva de estímulo a todas as pessoas para que não deixem de lado esse maravilhoso hábito de registrar momentos cotidianos, pois ao registrar coisas assim outras pessoas poderão desfrutar posteriormente e quase que perpetuamente de suas experiências, conquistas e realizações.

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ANDANÇAS PELO ESTADO DO TOCANTINS**

Drª Erika Schlenz

Agosto de 2002

POR QUE O TOCANTINS ???

Há dois anos, encaminhei a Tese de Doutorado da Adriana Malvasio sobre aspectos da biologia de três espécies de tartarugas de água doce das praias do rio Javaés. Na ocasião, Yeda de Lucena Bataus, a responsável pelos répteis e anfíbios do IBAMA (atualmente RAN/IBAMA), apareceu aqui em São Paulo para a defesa da Tese e comentou que as tartarugas, de modo geral, estavam infestadas com sanguessugas. Assim, combinei que iria tentar identificá-las oportunamente uma vez que havia interesse em saber qual era a espécie que estava importunando esses quelônios.

As pesquisas de Adriana Malvasio continuam, ela é docente da UNITINS (Universidade do Tocantins) e consegue autorização para viajar ao rio Javaés durante o período de estiagem, quando as tartarugas desovam. Essas pesquisas são financeiramente apoiadas por duas ONGs, a Earthwatch (internacional) e o Instituto Ecológica (com sede em Palmas). A Earthwatch divulga o “Projeto Quelônios” para todo o mundo e solicita voluntários para auxiliar nos trabalhos de campo. Os voluntários (quaisquer pessoas, não importa a profissão que têm) se inscrevem, são selecionados e pagam bastante caro para vir ao Brasil (além da passagem aérea). Esta verba é dividida entre as duas ONGs e é usada para o financiamento das pesquisas desse projeto. Como fui incumbida de estudar as sanguessugas das tartarugas, tive todas as despesas pagas pela Ecológica.

Esses são os motivos da viagem ao Tocantins, uma parte de nosso país para a qual acho que eu não iria só para passear. A única exceção poderia ser uma visita para a Adriana Malvasio.

VIAGEM ATÉ PALMAS

Minha colega, Drª Ana Maria de Souza, e eu viajamos no dia 11 de agosto pela TAM até Brasília e de lá para Palmas, capital do Estado de Tocantins. O aeroporto novo fica bastante longe da cidade. Esta situa-se num tabuleiro bem plano e foi projetada como Brasília, com quadras e rotatórias numeradas. As árvores das praças e avenidas ainda são pequenas e a cidade é pouco verde. Os prédios são todos baixos, no máximo com três ou quatro andares, somente o Palácio do Governo e as Secretarias que ficam em volta do Palácio é que se destacam na cidade.

Nos hospedamos no Hotel Casa Grande (categoria três estrelas), tomamos banho e fomos ao Shopping. Este é o “point” da cidade. Os jovens vão passear lá nos fins de tarde e aproveitam para ouvir música e comer seus hambúrgueres. Nós duas comemos uma pizza e depois voltamos para o hotel. O barulho do Shopping era demais. Para comemorar o “dia dos pais”, havia uma geringonça enorme de som, que fazia sorteios e outras coisas. Não dava para agüentar.

Na manhã seguinte, 12 de agosto, fomos até a Ecológica, uma ONG grande e com muitos funcionários, ligada a uma Companhia de Turismo que também emite passagens. Como a Ana Maria de Souza precisou voltar antes, ela combinou o dia da volta e recebeu a passagem. Depois partimos de carro para o Canguçu.

VIAGEM PARA O CANGUÇU

Primeiro andamos por várias avenidas e praças de Palmas, passamos para uma rua não calçada e fomos até a balsa sobre a Represa do Tocantins, imensa. A balsa leva 45 minutos para atravessar a represa o que atrasa bastante a viagem. Da balsa vê-se uma espécie de barragem, para a passagem de carros, até a antiga calha do rio onde estão construindo uma enorme ponte. Esta deve estar terminada em setembro e a balsa será desativada. Com a desativação da balsa, a viagem será bem mais curta.

Do outro lado da represa, pegamos a estrada asfaltada para Paraíso. São cerca de 60 km com retas enormes, que sobem e descem um pouquinho e a estrada é boa. A vegetação é de cerrado e de vez em quando há um ipê florido (amarelo, rosa ou roxo). Em determinado momento, uma seriema atravessou a estrada na frente de nosso carro, andando bem compassadamente até sumir no cerrado do outro lado. Depois da cidadezinha de Paraíso, saímos da estrada asfaltada para uma de terra vermelha até a cidade de Pium onde a Adriana estava nos esperando no hospital. Ela teve uma infecção no ouvido e precisou ser medicada. Estava contente em nos ver e voltou conosco para o Centro de Pesquisa Canguçu. Aproveitamos para usar o banheiro do hospital; este pelo menos estava limpo.

Saímos de Pium e continuamos sempre por estrada de terra vermelha, mas bastante razoável. As estradas de terra são municipais, as asfaltadas são estaduais e federal é somente a Belém-Brasília. Nas entradas e saídas das cidades, existem lombadas que, lá, são chamadas de ondulações.

A estrada de terra passa por cerrados de vários tipos, desde campos cerrados até cerradão. Na beira da estrada ficam fazendas, a maioria de criação de gado. Quando se vê gado, este é Nelore. De vez em quando há uma pequena vila, com meia dúzia de casas e uma venda onde se compra água mineral gelada. De repente, vimos seis filhotes de ema na estrada. Aparentemente, o pai estava escondido na vegetação e as avezinhas estavam sozinhas e muito assustadas com o carro. Corriam feito doidas até que o carro passasse devagar por elas.

Já mais perto do rio, o cerradão transforma-se em mata bastante fechada e a estrada fica mais estreita. No fim, depois de cinco horas de viagem e cerca de 250 km de estradas, chega-se ao Canguçu. Esta foi a primeira viagem para lá.

Na minha segunda viagem para lá, no dia 22 de agosto, continuamos por estrada asfaltada depois de Paraíso. Passamos por Monte Santo e paramos em Divinópolis para ir ao banheiro e tomar alguma coisa gelada. Depois de Divinópolis, continuamos certo tempo pelo asfalto e só os últimos 94 km foram por estrada de terra.

Quando estávamos na parte do cerrado, vimos uma ema adulta com cerca de trinta filhotes. Os pequeninos corriam de medo do carro e a ave adulta marchava devagar atrás deles. Foi muito bonito. Num outro ponto, vimos um tatu atravessando a estrada para o cerrado.

O Centro de Pesquisa Canguçu é um conjunto de construções de madeira sobre palafitas, ligadas entre si por corredores. Tudo é recoberto com palha de folhas de palmeiras. Embaixo da construção contendo a cozinha, um escritório e um laboratório, fica um terraço com mesas, cadeiras e poltronas, extremamente pesadas e imitando móveis indianos (rakam). É lá que se come. As outras construções são conjuntos de apartamentos com beliches com mosquiteiro, banheiro com chuveiro e um terraço com poltrona e rede. Tudo é interligado por corredores cobertos e cheios de samambaias. Também há dois bangalôs separados, com quartos, banheiro e terraço. Para lá os corredores não são cobertos. Tudo é mantido muito limpo e arrumado.

Estas instalações são da Ecológica e foram inauguradas pelo Príncipe Charles que também contribui financeiramente para o projeto das tartarugas. A Ecológica ganha dinheiro com ecoturismo. Há diversas trilhas pela mata até o rio Javaés ou até lagoas formadas pelo rio. Dizem que, às vezes, o Canguçu fica lotado de turistas ou de estudantes universitários.

A Ecológica tem um projeto no Canguçu, estuda o seqüestro de carbono na mata Amazônica, assunto principal da Tese de Doutorado do Presidente desta ONG (Divaldo Rezende), fazendo seu doutorado na Alemanha. Segundo ele, a Floresta Amazônica consome mais dióxido de carbono contribuindo para a manutenção do clima global pela diminuição do efeito estufa.

Outro projeto desta ONG é a criação e manutenção de tartaruga da Amazônia e do tracajá em cativeiro. As instalações estão quase prontas, mas o IBAMA ainda não deu a autorização definitiva. Essas instalações têm diversos tanques, um representa a cabeça de uma tartaruga, outros são as pernas e a cauda. O corpo com o casco é um terraço elevado (de onde se vê todos os tanques) contendo cascos e esqueletos de tartarugas mortas, achados no rio. É nesse terraço que pretendem dar as explicações sobre as tartarugas para os visitantes.

A Ecológica também está construindo um restaurante e cozinha de alvenaria (para estar de acordo com a Lei), mas a construção ainda está em estado bem inicial.

De todo esse conjunto, vai um corredor sobre palafitas até a parte alta da barranca do rio. Nessa época do ano, a barranca tem cerca de 9 metros de altura e, do alto, desce-se por uma escada tosca até o ancoradouro flutuante. Na época das chuvas, tudo fica alagado e as palafitas são realmente necessárias.

IDA AO ACAMPAMENTO

No mesmo dia, 12 de agosto, descemos até o barco e, imediatamente, fomos picadas por mosquitos-pólvora. Quando toda a tralha estava acomodada, descemos o rio Javaés durante quase uma hora com barco a motor. A navegação é bastante difícil porque o rio está muito raso. O barqueiro precisa conhecer o rio para não encalhar.

Nessa época formam-se muitas praias de areia misturada com pó vermelho. Estas praias são imensas (uma tem 4 km de comprimento) e são usadas pelas tartarugas para desovar e por muitas aves para nidificar ou simplesmente descansar. Vi muitos rastros de tartarugas, tanto da tartaruga da Amazônia como do tracajá. Em alguns lugares, os jacarés tomam sol. Estes são jacaretingas. Entre as aves, vi martins-pescadores, maguaris, garças brancas, socós, tuiuiús, colhereiros, guarás, mergulhões, talha-mares e outras. Os animais são mais ou menos os mesmos do Pantanal, só que não formam grandes bandos. A vegetação no fundo dessas praias é mata bem fechada.

No lado esquerdo do rio fica a Ilha do Bananal com o Parque Nacional do Araguaia, com entrada proibida devido aos índios que invadiram a ilha toda. No lado direito do rio fica o Parque Estadual do Cantão, onde pudemos ficar sob a supervisão do IBAMA.

Depois de navegarmos durante quase uma hora, chegamos ao acampamento. Lá, tivemos que escalar a barranca de areia para chegarmos ao lugar com 19 barracas individuais, muitas redes estendidas entre as árvores e uma parte comum, um grande toldo contendo cozinha, uma sala com mesa e bancos, além dos materiais necessários para a pesquisa (quadro-negro, esquemas, mapas, papel, lápis, baldes, caixas de plástico, estacas de madeira, etc). Ao lado havia dois banheiros, um para ELE, outro para ELA, ambos com vaso sanitário com descarga e um chuveiro frio. As paredes são de madeira compensada vermelha e as portas dos banheiros são fechadas simplesmente com um prego e arame.

A cozinha contém um grande fogão a gás, um freezer, também a gás, uma pia bem rudimentar e os apetrechos normais necessários. Ao lado existe um pequeno reservatório para comida não perecível, botijões de gás e de água potável, repelentes para insetos, etc. A cozinheira foi a Josie, uma moça de Pium, muito calma e que dava muito bem conta do recado: fazer refeições para 19 pessoas (café da manhã, almoço e jantar) naquelas condições precárias. Nos intervalos da tarde, ela ainda dava um jeito de limpar os banheiros e recolher o lixo de lá.

O lixo é um capítulo a parte: todo o lixo orgânico é armazenado em um grande latão (restos de comida) e, depois de alguns dias, este é levado para o meio do rio onde os peixes comem tudo o que é jogado. É uma festa para os peixes. O outro lixo é armazenado em sacos plásticos, levado para o Centro de Pesquisa Canguçu e, de lá, para um lixão da cidade de Divinópolis. Com esta parte não concordo, acho que a Ecológica deveria estimular ou promover um programa de reciclagem de lixo já que querem zelar tanto pela natureza.

Existe um gerador que aciona uma bomba para que se tenha água corrente no acampamento. O chuveiro é frio, com água do rio. Esta é misturada com silte e, quando se lava a cabeça (o que é necessário todos os dias), esta continua a coçar. A água do rio é bem limpa, exceto pelo silte, e é usada para lavar a louça, escovar os dentes, lavar as mãos e lavar roupa. À noite também há luz no acampamento.

Para cozinhar e para beber, usa-se água mineral de grandes botijões. Em média, usávamos dois botijões de água por dia. Com o calor que faz lá, acaba-se bebendo litros de água por dia, mas quase não se vai ao banheiro. Acho que quase toda a água sai pela pele. No princípio fiquei preocupada, porém depois que saímos de lá, tudo voltou ao normal.

A Josie cozinhava muito bem, sempre havia arroz e feijão, alguma carne e muitos legumes. Às vezes ela fazia massa e sobremesa. Esta sempre era um pavê de bolachas e leite condensado com algum sabor diferente ou uma fruta.

Depois das refeições, cada um lavava seu próprio prato e um dos participantes do acampamento era designado para ajudar a Josie com as grandes panelas.

Para lavar roupa, só havia sabão em pedra e uma bacia, além de uma tábua. Como a água era do rio, a roupa nunca ficava bem limpa. Em compensação, secava em cerca de duas horas. Todos lavavam sua roupa, inclusive os homens. A roupa lavada era estendida em cipós (que abundavam no acampamento) ou em algumas cordas amarradas nas árvores.

Cada barraca tinha um colchonete e roupa de cama. A gente tinha espaço para dormir e, ao lado do colchonete, cabia a tralha (mala, mochila, roupa, sapato, etc.). Eu dormia com a cabeça voltada para a entrada da barraca onde havia uma tela. Aí estava mais fresco e podia-se ver as árvores e a lua. Dentro da barraca era muito bom, pois, não havia mosquitos desde que se cuidasse de não deixar a portinha aberta por muito tempo. O problema era a areia. Por mais que se cuidasse, a barraca ficava cheia de areia. Havia grãos de areia na roupa de cama, na roupa pessoal, enfim, em todos os lugares da barraca.

O DIA-A-DIA NO ACAMPAMENTO

A gente acordava quando o dia clareava e os passarinhos começavam a cantar. Levantávamos, íamos ao banheiro e depois tomávamos café. Havia café, leite longa-vida frio, Nescau, bolo, bolachas, pão, margarina, presunto e queijo e cada um se servia do que gostasse. Como o café era tomado em copos de plástico, só se lavava alguns talheres.

A docente da UNITINS (Drª Adriana Malvasio), responsável pela turma, já havia designado as tarefas para aquele dia (escritas na véspera no quadro-negro). Em geral saía só o barco grande com todos para uma determinada praia onde os voluntários tinham que reconhecer ninhos de tartarugas, medir a distância deles até a água e até a vegetação, medir a temperatura da areia do ninho, identificar a tartaruga que fez o ninho, ver se o ninho tinha sido predado ou não, medir o diâmetro dos ovos, marcar o ninho com um número, coletar areia para determinar a sua granulometria, etc.

Os ninhos podiam ser predados por onças, aves carnívoras (urubus e carcarás, por exemplo), jacarés, etc. Muitas vezes a fêmea que estava desovando tinha sido morta pelo predador. Tudo era anotado e, se houvesse pegadas do predador, faziam um molde de gesso da pegada. Essa precisava estar no substrato bem úmido para que se pudesse fazer um bom molde.

A volta para o acampamento era depois de 11 horas da manhã, esperava-se pelo almoço e depois era impossível fazer qualquer coisa diferente de deitar na rede ou na margem da barranca do rio e ler. O calor era tão grande que impedia qualquer esforço maior. Aproveitávamos para lavar roupa (embaixo das árvores), alguns dormiam, escreviam alguma coisa para um relatório ou simplesmente olhavam para a natureza. Isso durava até às 3 horas da tarde.

Depois disso, iam para outra praia e faziam o trabalho com os ninhos das tartarugas. Quando voltavam, havia fila para o chuveiro. Todos tomavam banho e depois esperavam pelo jantar.

Quando escurecia, apareciam os morcegos insetívoros à caça de mosquitos. Havia muitos e passavam a poucos centímetros da cara da gente sem nos tocar. Depois de cerca de vinte minutos, eles desapareciam no escuro da mata. Isso se repetia todos os dias ao escurecer e, também, de manhã quando o dia clareava. Tenho a impressão de que eles se abrigavam em ocos de árvores durante o dia uma vez que não havia montanhas nem qualquer tipo de caverna na região.

Depois do jantar, o Kenedy Mota Montelo, também da cidade de Pium, o barqueiro e responsável pelo gerador, começava a tocar violão e a cantar. A primeira turma se interessou mais e cantava todas as noites, a segunda não.

Todas as noites aparecia um grande sapo no acampamento e se refestelava com mosquitos. Também se ouvia o canto de pererecas lá das margens do rio.

Lá pelas 10 horas, as pessoas iam sumindo lentamente nas barracas e o acampamento ficava quieto. Aí eram apagadas as luzes e desligado o gerador.

Quando a gente ia dormir, fazia calor, mas de madrugada a temperatura diminuía bastante e sempre tive que me cobrir com a manta que a Leila me emprestou.

Éramos proibidos de andar pela mata e de entrar no rio. Na mata via-se lagartos de diversos tamanhos, alguns chegando bem perto das pessoas. As piranhas impediam que tomássemos banho no rio. São extremamente vorazes (são piranhas pequenas, de barriga vermelha).

AS PESSOAS DO ACAMPAMENTO

Eu estive participando de duas turmas diferentes.

A primeira turma da qual participei de 12 a 17 de agosto, tinha como responsável a Profa Dra Adriana Malvasio, muito eficiente e conhecedora da região. Era muito organizada e já tinha planejado tudo com antecedência. Levou seus alunos Giovanni Salera Júnior, Marcos Clodoaldo Morais Garcia e Glennya Rodrigues Carvalho (da UNITINS). Estes eram bem treinados e sempre sabiam o que fazer. Nuno Negrões (um português), responsável pela logística do acampamento, era muito simpático e eficiente. Era biólogo e gostaria de fazer seu doutorado com carnívoros do Tocantins (queria fazer análise de DNA). Espero que consiga. Monica, uma bióloga italiana de Bolonha, estava fazendo Mestrado em Educação Ambiental e queria incluir um capítulo sobre esse assunto, referente ao Estado do Tocantins. Era muito simpática e prestativa. Sempre ajudava quando necessário. Também aplicou um questionário aos voluntários. Estes eram uma miscelânia: Marylin, uma funcionária americana da Earthwatch; Ian, um estudante americano de Biologia (afirmava que não tinha aprendido nada no Tocantins), muito convencido e chato; Danny, outro americano, este simpático e que tinha parentes no Brasil (falava português); uma americana, filha de vietnamitas, chamada Phapha, bem convencidinha, mas que fazia tudo direitinho sem reclamar; uma canadense de Vancouver, Nilo, simpática e que vivia vestida dos pés à cabeça para escapar das picadas de mosquitos (era alérgica e tinha muitas picadas inflamadas pelo corpo); uma chinesa chamada Bong e uma filipina chamada Comi (ambas muito simpáticas e com medo dos mosquitos, viviam usando espiral Cobra em todos os lugares do acampamento); Vijay Yanamadala, um americano, filho de indianos, de 16 anos e o mais interessado nas tartarugas; além disso, o Vijay Yanamadala queria aprender o máximo, ajudava a Drª Ana Maria de Souza a fixar moluscos e larvas de libélulas, era muito educado e prestativo, mas foi o maior alvo para os mosquitos-pólvora; calcularam (de brincadeira) que ele deveria ter umas 3.756 picadas pelo corpo todo, apesar de usar regularmente o repelente; Sue, uma professora inglesa de espanhol, também era muito interessada nas tartarugas e fazia direitinho todas as tarefas; a Ana Maria de Souza, minha colega; Josie, a cozinheira e Kenedy Mota Montelo, o barqueiro.

A turma dos americanos, toda mais ou menos jovem, isolou-se da gente e não queria papo. Reclamaram do calor e queriam beber cerveja todas as noites, mas não havia. Antes de virem ao Brasil, os voluntários recebem informações, por escrito, das condições do lugar, do calor, dos mosquitos e que só há bebida alcoólica uma ou duas vezes. Eles assinam essas informações mas, pelo comportamento deles, percebe-se que não as leram. Os americanos viviam jogando cartas ou fazendo joguinhos de adivinhação sem convidar nenhum brasileiro ou outro estrangeiro. Eles nem falavam com a gente.

A Marylin também parece que não gostou da comida. Sempre colocava uns seis pedaços de qualquer carne e verduras no prato, sem pegar arroz nem feijão.

No entanto, estes voluntários, juntamente com a turma da Adriana Malvasio conseguiram marcar 250 ninhos de tracajá (125 intactos e os restantes predados). Trabalharam muito bem e considero que, aqueles que queriam aprender, tiveram oportunidade de conhecer muita coisa interessante sobre o Brasil.

A segunda turma, da qual participei de 23 a 28 de agosto, era chefiada pela docente Lilyan Luizaga Aranibar e por seus alunos Hugo Miranda Maciel Nunes e Naygno Barbosa Noia (os dois eram muito calmos). O Naygno Barbosa Noia confundiu uma raia com uma tartaruga quando estava sem óculos numa das praias. O Hugo Miranda Maciel Nunes tinha acabado de ser consagrado pastor de uma igreja evangélica e estava muito interessado nesta função. Cantava canções sobre Jesus e pregava versículos da Bíblia com muito entusiasmo. A Lilyan Luizaga vivia tranqüila, sempre com um espírito calmo. Nuno Negrões e Monica estavam lá e funcionaram tão bem como na primeira turma. Os voluntários foram os seguintes: Bob Scott, um policial canadense, que já conhecia tartarugas marinhas porque tinha feito um estágio na Costa Rica; Greg, um australiano de Brisbane que trabalhava na Holanda numa companhia semelhante à Petrobrás e que também conhecia tartarugas marinhas da Malásia; David, um motorista de taxi inglês, simpático e brincalhão; Phil, um bancário americano, Luke, um bancário inglês (ambos trabalhavam no mesmo banco); e duas gêmeas, Meghan e Brittany, americanas e alunas de uma High School de Boston. Josie e Kenedy Mota Montelo também estavam e foram muito elogiados.

Esta segunda turma, na primeira semana na qual também estive lá, só conseguiu marcar 5 ninhos de tracajá. Além disso, mediram os ovos de todos esses ninhos. Não sei o que fizeram na segunda semana, pois eu já havia ido embora. Espero que tenham conseguido alguma coisa melhor.

Na primeira turma, pegaram quatro tracajás vivos. Estes foram pesados, medidos e examinados quanto à presença de sanguessugas. Os tracajás são fortes e tentam morder quando manipulados. Assim, a Ana Maria de Souza procurava as sanguessugas e duas pessoas tinham que segurar a tartaruga, uma precisava imobilizar a cabeça do réptil para evitar mordidas. Na segunda turma, só pegaram um tracajá que tinha as duas patas anteriores comidas por piranhas. Esta tartaruga também tinha sanguessugas.

Por um Xerox de trabalho que o Hugo Miranda Maciel Nunes tinha, consegui identificar a sanguessuga. É Unoloculobranchiobdella expansa Peralta, Matos & Serra-Freire, 1998, descrita de tartarugas da Amazônia do Museu Goeldi, em Belém. É um Ozobranchidae com brânquias simples (cinco pares), difícil de ser anestesiado e fixado. Como a espécie só foi descrita externamente, é interessante redescrevê-la incluindo sua anatomia interna. Vou ver se é possível. As sanguessugas são muito pequenas e ágeis e localizam-se, nas tartarugas, no pescoço, na boca, nas axilas e virilhas e na cauda (provavelmente também na cloaca e nas bolsas cloacais, apesar da Maria Tereza Osório Mallmann (“Teca”) nunca ter encontrado alguma nestas estruturas).

O RIO JAVAÉS E OS ANIMAIS VISTOS NELE

O rio Javaés é lindo, cheio de praias que se formam durante a época da estiagem. Entre o Centro de Pesquisa Canguçu e o acampamento, fica a praia do Canguçu, enorme e boa para os trabalhos de campo. Logo abaixo do acampamento, fica a praia Comprida onde a Adriana Malvasio transplanta alguns ninhos para uma pesquisa. Descendo o rio, vem a praia da Goiaba e, por fim, a praia Bonita. Há muitas outras praias menores, sem nome e que, provavelmente, acabam por se emendar numa das grandes à medida que a seca aumenta. As praias são formadas por areia amarelinha misturada com silte avermelhado. Assim, as praias têm uma cor alaranjada.

Na praia do outro lado do acampamento, portanto, na Ilha do Bananal, aparecia uma capivara com seu filhote para tomar água e se banhar. Isso aconteceu durante várias tardes seguidas.

As barrancas do rio podem ser bastante íngremes e, em alguns lugares, estão cheias de árvores mortas derrubadas pela cheia precedente. É um emaranhado de galhos e troncos, um ótimo esconderijo para muitos animais. É nesses locais que as ariranhas constroem suas tocas nas barrancas. Elas podem ser vistas, inclusive em frente ao acampamento. São animais curiosos que parecem nos observar e que demonstram que sabem onde estamos. As cabeças de duas ou mais aparecem fora da água e todas olham para nós. Elas têm capacidade de perceber a presença humana de longe. Depois todas mergulham ao mesmo tempo para repetir esse comportamento várias vezes. São animais muito simpáticos e brincalhões.

O emaranhado de galhos também é usado por muitas aves. O frango d’água nidifica no meio dos galhos. Consegui observar seu comportamento de corte. O macho levanta algumas penas da cauda formando uma crista longitudinal por cima das outras penas da cauda, que formam um leque na horizontal. Ele passeava de lá para cá, mas não consegui ver a fêmea. Esta devia estar bem escondida.

Nos galhos do emaranhado pousavam muitas aves diferentes. O martim-pescador, solitário, foi visto diversas vezes. Um socó-boi instalou-se perto do ancoradouro do acampamento e, de vez em quando, passeava pausadamente pela margem do rio, mas sempre voltava para seu galho. Fugia quando alguém se aproximava. Bem-te-vis usavam os galhos para pouso temporário, além de outros passarinhos que não consegui identificar. O guará também se escondia entre os galhos na barranca da Ilha do Bananal.

A maioria das aves concentrava-se nas margens das praias ou bancos de areia do lado da Ilha do Bananal. Havia sempre um grupo de seis colhereiros e um grupo maior de mergulhões. Aves isoladas eram os maguaris, tuiuiús e garças. Estas pescavam calmamente na água rasa do rio. Os mergulhões pescavam embaixo d’água, depois apareciam somente com parte do pescoço e a cabeça acima do nível da água manipulando o peixe pescado de forma que ficasse na posição correta para ser deglutido. As garças tinham um ninhal nas matas da Ilha do Bananal onde se reuniam no final do dia.

Em quase todas as praias havia bandos de talha-mar. Parece que estavam nidificando na areia. Interessante foi observar como pescam. Abrem o bico (a parte inferior é mais comprida), passando a parte inferior pela água como se estivessem cortando a água com uma tesoura.

Nas águas do rio há botos tucuxi (cinzentos). Quando emergem, é possível ver a cabeça com a narina única aberta para respirar. Subiam e desciam constantemente pelo rio, mas nunca davam aqueles saltos que estamos acostumados de ver nas espécies marinhas.

Quando ninguém mexia na água, era possível observar peixes perto da margem. Via sempre um casal de aruanãs (um casal, segundo o Sr Alfeu Dias dos Santos), tucunarés e piranhas, além de outros peixes que não consegui identificar. Os aruanãs eram os mais bonitos porque serpenteavam, um em volta do outro e eram bem grandes. Deviam medir perto de um metro de comprimento.

Como eu estava resfriada e não queria tomar sol, ficava no acampamento observando a natureza. Assim consegui ver o comportamento do jacaré-açu. Há um bem grande, com mais de três metros e meio de comprimento, chamado No. Esse nome provém do fato de que, no ano passado, uma americana estava sentada dentro do barco e o jacaré se aproximou. Ela, apavorada, só gritava: no, no, no, no no, no! Assim esse animal ficou sendo o No. O pessoal do IBAMA costuma pescar piranhas e dá-las aos jacarés. É por isso que eles chegam perto dos barcos. Uma tarde, o Sr Alfeu Dias dos Santos estava limpando o seu barco com o mesmo zelo com o qual um rapazinho de 18 anos limpa o seu primeiro automóvel, quando o No se aproximou e “estacionou” na margem, a uns dez metros da embarcação. Aos poucos foram surgindo mais cinco outros jacarés-açu, que ficaram parados, sem nadar, em diversos pontos do rio. De repente, o No saiu nadando (eles nadam devagar, flexionando somente a extremidade da cauda) em direção de um animal grande. Como este não se “tocou”, o No literalmente deu um pulo sobre o outro. Houve um grande rebuliço na água e o outro fugiu. Depois o No dirigiu-se para outro jacaré. Quando este percebeu, deu meia-volta e fugiu. Esse comportamento mostrou bem que no jacaré-açu existe hierarquia e que o No “manda naquele pedaço”.

O outro jacaré do rio, o jacaretinga, é menor e foi visto tomando sol em diversas praias. Também vimos vários filhotes de diversos tamanhos nadando entre os emaranhados de galhos das margens. O jacaretinga assusta-se com a presença do homem e sempre foge.

Não poderia ter deixado de mencionar a presença de tartarugas. Duas espécies são as mais abundantes, o tracajá, Podocnemis unifilis e a tartaruga da Amazônia, Podocnemis expansa. O tracajá começa a desovar em agosto e a tartaruga da Amazônia o faz mais tarde. O IBAMA é extremamente rigoroso e protege ao máximo as tartarugas, dificultando as pesquisas aprovadas pelo próprio órgão. Até parece que o IBAMA só está lá para controlar os pesquisadores que estudam quelônios e não se importa com outros animais, especialmente com invertebrados.

ILHA DO BANANAL

Como a Drª Ana Maria de Souza tem um pós-graduando (Paulo Guilherme Rigonatti) que vai estudar aspectos anatômicos e comportamentais de raias de água doce, o Sr Alfeu Dias dos Santos, funcionário do IBAMA, que sabia onde ficavam os melhores lugares para achar estes peixes, levou nós duas para dentro da Ilha do Bananal. Ele tem licença para ir à ilha. Entramos no Riozinho (em verdade, um riozão) que atravessa grande parte da Ilha do Bananal e desemboca no rio Javaés um pouco abaixo de nosso acampamento.

O Riozinho também é bonito, vimos muitas aves e jacarés em suas margens. Paramos em dois remansos (lá chamados de lagoas) à procura de raias. À medida que as águas do rio abaixam, as praias de areia dos remansos ficam cheios de “panelas de raia”, depressões antes ocupadas por estes peixes para descansar. Num dos remansos, descemos do barco e vimos dois carcarás se alimentando de alguma carniça e muitas pegadas de onça.

A Drª Ana Maria de Souza viu duas raias-pintadas e, na próxima viagem, deverá começar a estudá-las junto com o seu aluno Paulo Guilherme Rigonatti.

As matas ao longo do Riozinho são muito mais fechadas do que as das margens do rio Javaés. São matas muito escuras.

Assim, também pude ver alguma coisa da Ilha do Bananal.

INCIDENTES NO ACAMPAMENTO E NO CANGUÇU

No acampamento, o único incidente desagradável foi o mau funcionamento do gerador até que este chegou a quebrar de vez. Foi substituído, mas este também quebrou. Resultado: os dois geradores precisaram ser enviados para Palmas para serem consertados e o acampamento ficou dois dias sem água corrente e sem luz elétrica.

Como não tínhamos água nos banheiros e o banho era realmente necessário, fomos todos de barco para um dos cantos da praia do Canguçu onde há um remanso com água de, no máximo, 30 a 40 cm de profundidade. Aí a gente podia banhar-se porque as piranhas não vão para esta água tão rasa. Nesse remanso, era preciso andar arrastando os pés pela areia para espantar eventuais raias e não ser ferroado por uma delas. Apesar de ser um remanso, a água tem correnteza. A gente deitava e deixava a água passar sobre o corpo, só que sabonete não podia ser usado. Esse banho refrescava bem. O problema eram os mosquitos porque já eram cinco horas da tarde e a gente era literalmente comida por estes animais. Havia borrachudos e mosquitos-pólvora e o repelente em verdade não é tão eficiente assim.

Água para os vasos sanitários era carregada em baldes barranca acima e armazenada em grandes camburões. Também usávamos essa água para escovar os dentes e a Josie lavava os pratos com ela.

Na primeira turma ficamos dois dias (os últimos) sem gerador, sem água corrente e sem luz elétrica. Imaginem só como ficaram os banheiros usados por 19 pessoas!

A cozinha tinha uma janela permanentemente aberta para a mata e, de vez em quando, apareciam dois macacos-prego muito interessados nas nossas atividades, especialmente nas da Josie. Esta conseguia espantar os macacos que não chegaram a roubar nada.

Numa das vezes nas quais o Kenedy Mota Montelo pegou água do rio com um grande balde, ele também pegou uma piranha que se defendeu tirando um naco do dedo do rapaz. Sangrou bastante e ele andou dois dias com um curativo no dedo. A piranha foi morta e examinada quanto à eventual presença de sanguessugas em suas brânquias, mas não havia nenhuma.

Numa manhã, recebemos a visita do pessoal do IBAMA, inclusive do Comandante Sérgio, responsável pelo helicóptero deste órgão. Tomaram café e se instalaram nas redes para conversar comigo. O Comandante Sérgio queria ser muito interessante e achava que conhecia tudo. Chegou a jurar que o mata-matá (Chelus fimbriatus) era o macho da tracajá e que, desta relação, poderiam nascer tartaruguinhas. Não acreditou que estes quelônios pertencem a espécies diferentes. Era tipicamente carioca e se gabava de poder entrar no rio Javaés sem que acontecesse alguma coisa com ele. O outro funcionário só comentou que, nesse caso, teria que pescar o esqueleto do Comandante, ou seja, aquilo que as piranhas não iriam comer.

Quando a primeira turma voltou para a civilização, passamos um dia e uma noite no Canguçu, muito bem alojados e com comida boa. De noite o pessoal tocou música e fez um bailinho.

Quando a segunda turma chegou de Palmas, deveria ficar um dia e uma noite no Canguçu. O problema foi que lá estavam hospedados uns cineastas que se recusaram a sair dos apartamentos para dividi-los conosco, não respeitando o que fora combinado com a Ecológica. Um apartamento com quatro camas estava ocupado somente por uma pessoa bem egoísta. Resultado: tivemos que ficar alojados nos bangalôs, sem luz. Os cineastas eram tão doidos que não queriam que comêssemos junto com eles lá embaixo. Tivemos que nos servir e subir para um terraço onde comemos com o prato sobre os joelhos. Só imagino o que os estrangeiros não pensaram disso tudo. Eles foram muito educados e não falaram nada para nós.

Depois de cinco dias, cada turma tem um dia de folga no Centro de Pesquisa Canguçu. Nessa folga da segunda turma, os empregados até puseram a mesa com todo o requinte e nos serviram uma ótima refeição. Também fomos alojados nos apartamentos. Acredito que foi para compensar os transtornos da chegada.

Na manhã seguinte, dia 29 de agosto, o pessoal voltou para o acampamento e eu esperei o motorista que iria me levar para Palmas. Enquanto isso, o terraço do refeitório se encheu de canários-da-terra que comeram calmamente migalhas de nosso café da manhã. Enquanto não tiraram as bandejas com pão, bolachas e bolo, os passarinhos fizeram a festa. Foi bonito de ver e notar que as avezinhas não têm medo do homem. Chegaram bem perto de mim.

O motorista precisou esperar a volta do empregado (que tinha pilotado um dos barcos até o acampamento) para carregar o carro e uma carreta com coisas que iriam até Palmas e com os sacos cheios de lixo.

Resultado: só saímos às onze e meia da manhã.

DO CANGUÇU PARA PALMAS

Na primeira viagem, em 18 de agosto, Adriana Malvasio, Ana Maria de Souza, Marcos Clodoaldo Morais Garcia e eu viajamos num dos carros e, ainda na estrada de terra perto do Canguçu, vimos um veado entrando na mata.

Paramos em Divinópolis, tomamos algo bem gelado, continuamos até Monte Santo e Paraíso. Depois de Paraíso, percebemos que o combustível do carro já estava na reserva. Entre Paraíso e Palmas não há posto de gasolina e, assim, fomos na torcida. Conseguimos chegar até a balsa e só do outro lado, já em Palmas, o combustível acabou. Ficamos no sol enquanto o Marcos, que tinha ido de carona para a cidade, comprou gasolina e voltou com um taxi.

Assim, chegamos tarde e decidimos ficar em Palmas para ir a Araguaína só no dia seguinte.

Na segunda viagem, em 29 de agosto, fui só eu e o motorista num carro tipo Saveiro puxando uma carreta. Antes de chegarmos na cidade de Divinópolis, o motorista parou num lixão para descarregar os sacos de lixo do acampamento e do Canguçu. O carro logo foi invadido por moscas varejeiras de modo que saí e esperei fora dele. Como já disse antes, não concordo com este destino do lixo.

Depois fomos até Divinópolis, tomar Coca-Cola geladinha e seguimos viagem. Passamos por Monte Santo e vimos que o combustível estava na reserva. O motorista perguntou se havia posto nesta cidadezinha, mas nada. Assim fomos até Paraíso e, trezentos metros antes de chegarmos à cidade, a gasolina acabou. O motorista foi de carona numa moto e voltou com um saco cheio de combustível. Depois fomos até o Posto para colocar mais gasolina. A Ecológica é muito muquirana, não dá nenhum dinheiro para os motoristas. Assim eu tive que pagar a gasolina, apresentei a nota à Ecológica e recebi o meu dinheiro.

Depois disso, chegamos sem incidentes e fomos à Ecológica. Um dos motoristas me levou ao Hotel Lago de Palma e combinou de me levar ao aeroporto no dia seguinte.

ARAGUAÍNA

No dia 19 de agosto, o motorista da UNITINS nos buscou no hotel e passamos pela Reitoria para trocar de carro porque éramos quatro passageiros com bagagem. Fomos de Kombi bem nova.

No começo, rodeia-se Palmas até chegar a uma outra balsa, esta levando só cerca de dez minutos para atravessar o Tocantins. Depois passamos por Miracema, uma cidadezinha que construiu um gigantesco Cristo em cima de um megabanquinho de cozinha na avenida de entrada.

Continuamos e paramos numas barracas que vendem abacaxis. A região é produtora de abacaxis, exporta-os e os frutos que não têm aquela forma típica são vendidos na beira da estrada por um preço mínimo. Comemos abacaxi e a Adriana Malvasio comprou alguns para levar para casa.

Depois começou o tormento. Chegamos na Belém-Brasília que é uma vergonha. Há trechos sem asfalto, com enormes buracos e só se consegue andar com a primeira marcha. De vez em quando há um pedaço um pouco melhor. As lanchonetes da beira dessa estrada não cobram o cafezinho. São 375 km de Palmas até Araguaína e levamos seis horas para a viagem.

Araguaína fica em região de criação de gado para carne e laticínios. A cidade é grande, tem 150 mil habitantes, dois prédios altos e o resto é baixinho e lembra outras cidadezinhas de interior. O pessoal deixa as casas abertas, sai e não acontece nada. Que maravilha!

A casa da Adriana é térrea e tem um grande terraço onde tomam as refeições. Ao lado da casa fica a piscina com hidromassagem num jardim que ainda está sendo formado. Todos os fins de tarde vem o Eriomar para regar as plantas com a água da piscina – não perguntem por quê. Ela também tem uma empregada muito boa, a Valdilene que toma conta da casa, cozinha, lava e passa. Além disso, toma conta do Diego Malvasio, o caçula da Adriana.

O Níber Nilson, marido da Adriana, trabalha na Caixa Econômica Federal, é muito simpático e quer, por toda a lei, instalar ar condicionado na casa toda. Está economizando para isso. A Juliana Malvasio, filha mais velha da Adriana, estuda num colégio de freiras (parece que é o melhor da cidade), malha várias vezes por semana numa academia, tem aulas de inglês e adora o irmãozinho. O Diego tem oito meses de idade e está sendo muito mal acostumado. Não quer ficar sozinho nem por um minuto, só quer colo. Além disso, é um grande comilão. Se a Adriana Malvasio não prestar atenção, vai criar uma criança obesa. Acho que naquele clima tão quente não deve ser nada bom ser obeso.

À noite saímos e fomos jantar num restaurante (Rio Doce). A comida foi muito boa, a carne da região é ótima. O Diego Malvasio também foi, tomou sua mamadeira e uma porção do sorvete da mãe dele. Ele sabe direitinho se há comida por perto.

No dia seguinte ficamos em casa, nadamos na piscina e, de noite, fomos à casa da Lilyan Luizaga onde o marido dela fez um churrasco. A casa ainda não está completamente pronta, falta a pintura, por exemplo. Ficamos no jardim em frente à casa. A Lilyan Luizaga é boliviana e nos brindou com um prato feito com milho roxo, parecia um curau roxo, bem gostoso. A Adriana Malvasio disse que a Lilyan Luizaga sempre oferece alguma coisa da Bolívia quando tem hóspedes. A filhinha dela chama-se Camila e é muito bonitinha, tem seis anos e queria que a mãe levasse para ela umas botas até o joelho, lá do Canguçu. Imaginem, lá não tem nada.

Na quarta-feira, passeamos um pouco pela cidade e visitamos a D. Wadya Carvalho de Oliveira, Diretora da UNITINS de Araguaína. É uma pessoa alegre, muito bem relacionada com diversos tipos de autoridades e disse que invejava a minha energia. Ela já estivera uma vez no Canguçu e deve ter odiado.

Na tarde do dia 21 de agosto, fomos de Kombi até Palmas, a Lilyan Luizaga, o Hugo Miranda Maciel Nunes, o Naygno Barbosa Noia e eu. Foi uma viagem muito demorada. Chegamos à noite e fomos direto para o Hotel Lago de Palma. Saímos para jantar e depois fomos dormir.

No dia seguinte fomos à Ecológica conhecer os voluntários da segunda turma e receber as instruções do Presidente da ONG e do IBAMA. O Presidente da ONG (Divaldo Rezende) explica, em inglês, o que é a Ecológica, o que faz, o que é feito no Canguçu e a importância do Projeto Quelônios da Ilha do Bananal. Além disso, os dois ainda explicam o que é possível fazer lá e o que é proibido por motivos de segurança.

Em seguida todos nós fomos almoçar no melhor restaurante de Palmas por conta da Ecológica.

À tarde fomos até o Canguçu.

VOLTA PARA SÃO PAULO

Às nove e meia do dia 30 de agosto o motorista da Ecológica me buscou e levou ao aeroporto. Fiz o check-in e achei uma lojinha de artesanatos típicos, principalmente de índios. Comprei alguma coisa e esperei pelo embarque.

Viajei de Fokker até Brasília e depois num avião maior. A viagem foi boa, tranqüila e cheguei em Congonhas às três horas da tarde.

Tomei um taxi e fui para casa.

Assim terminou minha aventura do Tocantins.

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**Essa Carta foi redigida por uma das pessoas mais inteligentes e agradáveis que já conheci em toda minha vida, a Drª Erika Schlenz do Departamento de Zoologia do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IBUSP). Nela, a Drª Erika apresenta um registro riquíssimo de uma de suas visitas ao Estado do Tocantins, onde participou das atividades de campo do “Projeto Quelônios da Ilha do Bananal”, no rio Javaés, entorno do Parque Nacional do Araguaia.

Naquela época, esse Projeto era executado pelo IBAMA e contava com apoio da UNITINS (Universidade do Tocantins), do Instituto Ecológica de Palmas e do Instituto Earthwatch de Boston, Estados Unidos. Hoje, o Instituto Chico Mendes é o órgão federal responsável por sua execução.

Espero que a apresentação dessa belíssima carta da Drª Erika Schlenz sirva de estímulo a todas as pessoas para que não deixem de lado esse maravilhoso hábito de registrar momentos cotidianos, pois ao registrar coisas assim outras pessoas poderão desfrutar posteriormente e quase que perpetuamente de suas experiências, conquistas e realizações.

Gurupi – TO, Fevereiro de 2008.

Giovanni Salera Júnior é Mestre em Ciências do Ambiente e Especialista em Direito Ambiental.

E-mail: salerajunior@yahoo.com.br

Drª Erika Schlenz
Enviado por Giovanni Salera Júnior em 07/02/2008
Reeditado em 23/07/2011
Código do texto: T850304