Raimundo Felipe
"Eu tenho medo de abrir a porta que dá pro sertão da minha solidão..."
Esse temor nos versos de Belchior vieram a tona quando vi meu Pai na cama do hospital com fortes dores abdominais.
Essas linhas são sobre a cortante realidade de um cara de 37 falando de um Pai de 77 que hoje se encontra num leito hospitalar.
Pai, o Senhor veio de um sertão mágico, um lugar árido e florido ao mesmo tempo. Um lugar de gigantes, agricultores e senhoras que tecem a vida como pássaros na invernada.
Ao longo de toda minha vida eu testemunhei o quão seu caráter expansivo e exemplificador me delineou e como seu coração gigante me impactou.
Confesso que não sou nada original. Nada em mim é autêntico, pois tudo que faço é uma cópia mal feita do que o Senhor já fez. Só que não sei levar as coisas na esportiva e não sou tão sorridente como Raimundo de Duzim sempre foi.
Minha trajetória foi marcada por chegadas e partidas, quando o Senhor separou da minha Mãe em 1998 eu fiquei sem chão. Jazia ali, meu mundo encantado. Foi um tempo de intensa seca e lavoura parca.
Embora distante o Senhor tinha e têm o dom da intensidade. Embora envolvido com amores involucrais o Velho galanteador nunca deixou de pulir seus pupilos com amor e carinho que de certa forma atenuava minha carência.
O tempo passou, virei Professor de Escola pública e nas minhas lições eu sempre lembro dos seus ensinamentos. Raimundo Felipe possui muitas virtudes e uma das mais notáveis é o zelo e urbanismo no trato com as pessoas. Lembro com muito carinho das vezes em que o Sr me levou pro seus trabalho e testemunhei seu sorriso e compromisso com suas funções laborais e como o funcionário Raimundo
se importava com as pessoas, nisso também procuro te imitar.
O tempo passou mais ainda e eu tenho dois filhos, lhe dei dois netos, uma menina linda e mandona e um menino sapeca e grudado no Vovô.
E aí que vêm mais um episódio de plágio. Agora como Pai também eu perdi a vergonha e não disfarço mais minha intencionalidade de te imitar, mas o Velho Raimundo é um mestre e sempre têm uma carta na manga para mostrar o quanto estou distante do seu nível refinando de amar e zelar.
Raimundo Felipe de Carvalho vêm me mostrando a arte de ser Vô em toda sua plenitude e impondo a certeza de que preciso aprender muito para chegar ao nível dele.
Nunca vou esquecer do seu amor pelo meu pequeno João Lucas. Vocês são ligados de forma tão intensa que chegou ao ponto de uma prima sensitiva afirmar que o amor de entre João e Raimundo possui características de outras vidas.
Voltando para o medo da solidão do sertão... ontem passamos a noite numa cama de hospital, o Senhor com dores e eu tentando disfarçar o medo. Hoje estou tomado pela fé que tudo isso vai passar e que o Senhor vai voltar pra casa em breve. Afinal de contas, quem é que vai pegar o João na creche? Quem é que vai encher minha Maria de elogios todo dia? Quem é que vai segurar na minha mão para dizer que vai ficar tudo bem e que preciso continuar sendo forte?
Sim, Pai, o Senhor é forte e eu só estou tentando te imitar mais uma vez.
O velho namorador tirará isso de letra.
Essas breves linhas são para mostrar o quanto eu Te amo e como tenho sorte de ser seu filho.
Vamos voltar logo pra casa.