Notas de rodapé de uma alma juristicamente confusa
Eu comecei o curso de Direito como quem entra num templo — ou melhor, num shopping center da razão, onde todos andam de beca invisível e citam Foucault como quem pede café com leite desnatado. Acreditava piamente que lá estaria a resposta para a injustiça estrutural, o patriarcado escorregadio, os boletos vencidos e a cara do policial que me olhou torto no centro da cidade.
Mas cá estou, no oitavo ano do que deveria ter sido cinco — porque fui picada pela mosca do “talvez antropologia me entenda melhor” ou “e se sociologia explicar minha dor?” ou “será que em filosofia eu descubro por que odeio tanto o LinkedIn?”
Minha vida acadêmica virou um Uber em modo aleatório. Cada semestre, uma nova rota: história das religiões? Tô dentro. Teoria queer na América Latina? Claro, com glitter. Curso livre de epistemologia africana? Me dá dois. Enquanto isso, o Direito me observa do canto da sala, com cara de “e aí, vai ou não vai me terminar?”
Sim, sou uma nômade acadêmica. Vivo carregando PDFs, xerox ilegível de textos em francês e aquela esperança cretina de encontrar o saber definitivo. Spoiler: ele não existe. O saber é uma espiral eterna com cara de resenha de 10 páginas.
Mas há um alívio nisso tudo. Porque, mesmo presa no labirinto jurídico, fui criando minhas saídas de emergência. Aprendi que a estrutura — essa coisa que a gente tenta entender desde que erguemos a primeira parede e fundamos o patriarcado — não vai se desmanchar por completo. Mas dá pra rachar as colunas com um bom texto, uma piada ácida e uma citação fora de contexto da Simone de Beauvoir.
Talvez eu não finalize nunca esse maldito TCC. Talvez minha monografia vire um podcast. Talvez eu seja, pra sempre, essa artista disfarçada de advogada, com uma coleção de canecas de eventos jurídicos e um crush eterno na ideia de justiça social que nunca chega.
Mas pelo menos, hoje, eu me permito dizer que saber demais não é um erro — é só um jeito estranho de buscar sentido. E quem sabe, lá na frente, o Direito finalmente aceite que eu não vim aqui pra aplicar leis. Vim pra bagunçar tudo e fazer perguntas que nem o Supremo se atreve a responder.
E tá tudo bem.