Compulsão alimentar e distorção cognitiva: um episódio
Ontem fui ao cinema. Decisão de última hora. Decidi que iria assistir Pequenas coisas como estas (precisei abrir o aplicativo do cinema para lembrar o nome do filme). Era esse ou aquele do Bob Dylan.
Preciso sair e voltar sem precisar para em algum lugar para comer. Quando pus os pés fora de casa dizia para mim mesmo que iria ao cinema e voltaria sem fazer paradas.
A sessão me custou 16,00, mas o custo total desse programa foi quaze 100,00. A saber:
Pipoca e guarana: 22,00
Burguer king: 36,00
Uber na ida: 9,59
Ingresso cinema: 16,00
Se não tivesse comido teria gastado 30,00. Mas somaram 58,00 reais em comida. Pior, divididos em duas compras de comida. Ou seja, não bastou comer durante a sessão, comi depois dela também.
Enquanto aguardava meu lanche, que aliás demorou um bom tempo e me serviu de castigo porque cada minuto em pé era a constatação que não fui resistente. Via outros, gordos como eu, deprimentes como eu, aumento a fila de espera e aquilo que liquidava. O cara a minha frente era magro e comeria dois hambúrgueres. O que estava atrás de mim era gordo, usava roupas justas de cor pastel, camisa e bermuda. Levava uma bolsa no ombro. Seu rosto era inchado, rosado a e redondo coberto por uma barba que preenchia seu rosto. Olha-lo era como observar a minha vergonha refletida num espelho.
Surgiu então a ideia de ir aceitar o prejuízo e ir embora. Perderia o dinheiro, mas me salvaria do lanche. Lembrei de Dostoievski em o Idiota. Disse para mim mesmo que poderia mudar de ideia, não comer e sair dali. Comprar o lanche não me obrigava a comê-lo. Mas foi ao constatar que perderia os 36 reais que usei disso para prosseguir ali.
A esperava continuava e eu já sentia meus nervos em ebulição. A espera seguia longa e comecei a olhar para os lados procurando alguém que parecesse gerente. Poderia pedir para cancelar meu pedido, que tinha outro compromisso e que não poderia continuar ali esperando. Talvez essa tenha sido a primeira ideia que me ocorreu, mas agora revisitando a memória de ontem não tenho certeza. Fato é que não encontrei o gerente e menos ainda que tenha ido embora. Ali fiquei lidando com a sensação de estar exposto para todos verem que eu sou uma decepção.
O cara a minha frente pegou seus dois hambúrgueres, refrigerante e batata.
Logo a seguir fui chamado.
Ouvir meu nome foi terrível. Senti um baque, meu olhos arregalaram. Assustado fui até o balcão e peguei o meu lanche. O copo vazio levei até a maquina de refrigerante ignorando as opções menos ruins e optando pela Pepsi de sabor normal, ou seja, carregada de açúcar.
Sentei-me a mesa olhei aquele lanche diante de mim. Percebi também o cara dos dois hambúrgueres estava sentado a mesa bem na minha frente e dei gracas a Deus por não ser o gordo no meu campo de visão. Éramos eu, o cara dos dois hambúrgueres e a parede atrás dele. Os assentos mais confortáveis estavam enfileirados a minha direta, mas eu não podia vê-los. Logo estou invisível para metade da lanchonete (tal fora meu sentimento).
Coloquei o celular ao lado da bandeija. Peguei uma batata e a levei a boca. Estava quente demais. Tomei um gole do refrigerante. Removi o invólucro do hambúrguer e o mordi. Queria que aquilo acabasse. A carne estava fria. Tanto tempo de espera e a carne estava fria! Subiu um amargor pelo meu esofago. O preço do meu fracasso. Soltei o ar, cansado e desanimado.
O prazer que geralmente sinto no primeiro pedaço mordido não estava lá. Olhei para o hambúrguer pensando que agora poderia jogar ele fora. Ao invés disso terminei de comê-lo. Momentos antes deixei metade do meu refrigerante no copo quando o cara dos hambúrgueres se levantou e fui encher o dele. Me lembrei que no Burguer King o refrigerante é refil e por isso guardei metade da Pepsi. Depois de mastigar e engolir o último pedaço virei a Pepsi de uma só vez. Larguei o copo sobre a bandeja junto a toda prova do crime, levantei-me, apanhei a bandeija e joguei tudo na lixeira bem atrás de mim. Não queria dar margem para um segundo copo de Pepsi.
Olhei para a frente e vi dois homens conversando em frente a pia, ao lado dos totens onde tudo começou pra mim. Andei passando por eles que pareciam me olhar com estranheza e curiosidade, ou será essa impressão coisa da minha cabeça? Lavei as mãos e fui embora a pé para casa com a sensação de estar sendo julgado por aqueles dois.