Ôh Pátria Minha, Querida Monstro de Dois Corações(Memórias de um filho retinto)
Ah, terra que não planto a sola dos meus pés há mais de uma década—e a culpa não é da diáspora que seduz meus sonhos a colher frutos em campos alheios, tempus fugit, nem da capitalização da distância. Sei que engordaste, não da tua prole expansiva (essa que cresce a cada gemido úmido que ecoa nas noites de bocas tropicais na escuridão voluptuosa), mas da normalização do ignóbil—essa finesse casta que veste terno de linho enquanto assina contratos com o diabo em papel opaco e cláusulas minúsculas de effectus morte. —sed animma iam vendita etat...
Teus rios ainda correm, mas alguns já nascem poluídos de lobby; tuas filhas ainda dançam, mas algumas vendem risos em plataformas digitais por migalhas de likes. E teus filhos, ah, teus filhos… discutem fake news em bares gourmet, entre goles de whisky single malt e restos de caviar soviético (memento mori, camaradas). Se ao menos essas ovas de esturjão germinassem delatores (quisustodi cet ipsos custodes?), se os pactos nas sombras fossem expostos em praça pública como carne seca ao sol—seria o dies irae da falsa moralidade.
Mas não, minha amada mater dolorosa: o mal não está no povo—esse que sangra sine qua non—mas nos mercadores do templo, que transformaram teu leite cultural em commodity, teu afago em algoritmo, teu cheiro de terra molhada em NFT.
Ainda sinto o doce das tuas águas (aqua vitae), o abraço da tua relva, mas agora são memórias de um exílio interno—saudade, essa palavra que só existe porque o colonialismo não a traduziu direito.
Porém, escuta: não é game over. Até o mais podre dos troncos renasce como cogumelo (resurget ex favilla). A esperança é como capim bravo: corta hoje, amanhã já furou o asfalto.
Carpe noctem—e que a próxima aurora nos encontre menos órfãos.