DO NADA NASCE O NADA (sem leituras ninguém se faz escriba)

(para Marilene Teubner, em Urânia/SP, colega do Recanto das Letras)

Passo de Torres, SC, 20 de janeiro de 2008, domingo.

Seguirá amanhã, via Correios, o material literário que te prometera há algum tempo, a saber:

01. Decálogo de metrificação, por Luís Otávio. Ribeirão Preto: UBT, edição reprografada, 1975, 12 p.;

02. A Carpintaria do Verso, por Eno Teodoro Wanke. Rio: 1993, ed. do autor reprografada, 22 p.;

03. Acrósticos, por Alfredo Alencar Aranha. Rio: ZMF, 2000, 246 p.;

04. Acrósticos, por Luiz Mario B. Cardoso. Porto Alegre: L.M.B.C. /Evangraf, 2003, 79 p.;

05. Cantares de um vulcão quase extinto, por Miguel Russowsky. Porto Alegre: Alcance, 2005, 167 p.;

06. Do Princípio das Constelações aos Santos Animais, por Dércio Marchi. Torres: Datatec, 2007, 190 p.;

07. Ovo de Colombo, por Joaquim Moncks. Porto Alegre: Alcance, 2005, 119 p.;

08. Poetas Açorianos e Gaúchos, org. por António Soares e Paulo Bacedônio. Porto Alegre: ICP/ Caravela, 2007, 159 p.;

09. Casa do Poeta Rio-Grandense – 43 Anos, org. de Ieda Cunha Cavalheiro. Porto Alegre: Alcance, 2007, 198 p.;

10. Casa do Poeta de Canoas II Coletânea, org. Maria Santos Rigo. Canoas: Prefeitura Municipal, 2005, 223 p.;

11. Congresso Brasileiro de Poesia – 15 Anos, org. Rossyr Berny. Porto Alegre: Alcance, 2007, 127 p..

Comecei a recolher este material a partir de outubro do ano passado e o terminei agora.

Obedeci ao teu interesse original pelo ACRÓSTICO, sobre o qual seguem duas obras, na discriminação do material ora enviado, itens 02 e 03.

Mercê de ser o acróstico um formato poético de longa tradição em todos os idiomas - expressão poética laudatória e afetiva - mesmo assim foi difícil conseguir obras ilustrativas do acróstico clássico (com contagem silábica – metrificação). As que seguem (itens acima referidos) são precárias, mas são as que pude conseguir aqui no Rio Grande do Sul.

Nada consegui sobre o acróstico, em teoria da literatura - alguma obra teórica de fundo - que pudesse melhor explicar esta espécie do gênero Poesia. Parece que não há, no mercado livreiro, alguma obra recentemente editada. Visitei várias lojas aqui nos Pagos gaúchos, em SP, Aracaju, Maceió, Manaus e em Salvador. Estive cumprindo missões associativo-culturais de abril a setembro do ano passado... Acresça-se que estive à busca de exemplar na 15ª Bienal do Livro do Rio, em novembro, quando fui autografar o meu OVO DE COLOMBO, poesia.

Como estás ávida de conhecimento sobre os versos metrificados, seguem dois livretos bem interessantes, que consegui nos “sebos” de Salvador. São bons manuais, que se devem revelar de muita utilidade prática. É preciso que os rumines com paciência e sem pressa, observando os detalhes - pormenores de cada regra de silabação fônica, escansão e de formato. É desse conhecimento que, em tese, exsurgirá o fazedor de versos na forma clássica, acoplando-se ao talento preexistente.

Alerto, com agrado, que, em pesquisa na NET feita com a ajuda do Google, descobri que o “Decálogo de Metrificação” já está publicado no Recanto das Letras, por obra e arte da emérita cultora do verso clássico, poeta e trovadora literária Silvia Araújo Motta, de Belo Horizonte/MG: http://www.recantodasletras.com.br/teorialiteraria/131960

No “A Carpintaria do Verso” (item 02 da relação) encontrarás alguns macetes sobre a criação (clássica) em poesia. É material que poucos têm em mãos. Os outros livros foram escolhidos por mim dentro do critério de que venhas a conhecer autores com algum fundamento estético. É o caso do Miguel Russowsky (item 05) e Dércio Marchi (item 06) que são bons, cada um no seu estilo, no soneto clássico; Marchi no poema contemporâneo, atuando no limbo entre a filosofia, teologia e poesia.

Recomendo-te que leias, a propósito de linhas filosóficas, a obra do poeta português Fernando Pessoa, morto em 1935. Há um livrinho de bolso com textos escolhidos, dele e de seus heterônimos, editado pela L&PM, sediada aqui no RS. É livro de custo baixo e distribuído em todo o país. Comumente estão nas gôndolas e estantes de bancas livreiras, em rodoviárias e aeroportos. Em quase todas as lojas de livros e em alguns supermercados estão expostos ao público os diversos títulos dos "pocket book" da L&PM.

Seguem, também, duas obras em que aparecem poemas meus em destaque, escolhidos para aguçar a tua cuca, instigar-te ao exercício do pensamento. Uma delas é o meu sexto livro individual (item 07), que é todo composto por poemas da contemporaneidade formal, caracterizados principalmente pela metapoesia, a teor do que fala um dos principais críticos, o Professor Doutor António Filipe Neiva Soares, português residente entre nós há mais de trinta anos, com ressalto entre os seus pares de análise crítica.

A propósito de minha obra: os poemas não são de interpretação fácil. Todos exigem um maior ou menor grau de reflexão.

Aliás, se, ao pegares um texto pela vez primeira, ao lê-lo de cabo a rabo, e, ao final da leitura tiveres entendido tudo, sem restar nenhuma dúvida, o texto pode ser qualquer coisa, menos Poesia. Porque esta não tem este condão: o de passar fácil na cabeça do leitor. Ela mexe com o íntimo, leva-te a viagens imprevistas e inusitadas, sugere vida e morte. É para quem quer ser praticante de exercícios incomuns. Serve ao autoconhecimento e nos deixa em forma para entender melhor a desgraça e a dor. Com ela e por ela também se valorizam os dias alegres e a beleza de uma flor ou o orvalho sobre a folha derramado, num dia gélido de inverno, em que tudo é hostil, mas a flor ilumina a paisagem rude com os raios da Beleza.

Vês o que é o cacoete? Já estou fazendo poesia, fugindo ao objetivo de uma simples e despretenciosa cartinha de amigo. Mas, como falo a uma poetisa sazonal, mas não apenas bissexta, sei que não semeio no deserto. Voltemos ao objetivo.

A propósito de versos: conheço as regras, mas não os organizo em formas clássicas. Sonetos, trovas, haicais, acrósticos, enfim, os versos metrificados não são a minha praia. Nunca publiquei nenhum deles, apesar de haver feito alguns por necessidade de ofício. Por questão de gosto pessoal, sempre fiquei com a estética atual – o poema moderno, em versos brancos, sem métrica e rimas.

Entendo que o verso metrificado é a estética do passado. Reproduzia, em arte literária, o andamento da vida até meados do século XX. Se a vida mudou, se a cabeça das pessoas mudou, se tudo se tornou diferente, menos formal, e se a arte copia a vida, como acredito ser verdade, não há como fugir do verso branco, sem rima, debochado e desajeitado. O poema contemporâneo debocha da vida e traz em si a criticidade pertinente aos tempos atuais.

Uma poesia amarrada ao passado, com o cadenciamento das ruas e dos salões de Paris, ou da política dos cafés literários e saraus à moda antiga, cheia de cochichos ao pé do ouvido das amadas é um contra-senso aos modos de amar da atualidade. Como entender os salamaleques dos jogos de amar de 1930, se hoje a mulher aos 12 anos já sabe da necessidade de usar os contraceptivos e a televisão escancara o uso da "camisinha" masculina e feminina aos olhos e ouvidos das crianças? Temos um lirismo novo, mal comportado? Ou seria a vida em suas constantes transformações?

O humano é o mesmo, mas os seus hábitos e ações são diferentes. O jogo do amar é mais livre, menos comportado aos olhos do tempo passado. A liberdade dos toques e afetos explícitos tendem a produzir uma literatura desenvolta, às vezes até licenciosa, desavergonhada... Mas é o humano em sua caminhada até o Armagedon, diriam os que vêem o pecado em tudo. Ou os hipócritas e saudosistas.

Fico com o verso livre, copiando a vida, para que a poesia não se esfume na cabeça dos jovens, estes que carregam as explosões e impulsos dos desejos do amar em todos os tempos. Que buscam a felicidade em todas as suas nuanças e formatos... E nessa busca se afundam nos meandros das drogas lícitas e ilícitas.

Na observação dos atos da juventude atual o que seria mais nocivo, destruidor da esperança e sonhos dos pais? O vício da drogadição sob todas as suas fórmulas ou as cenas explícitas de "blogs" e portais na grande rede em que aparecem as descobertas – novos jogos do amar – e o olho indiscreto da Web Cam centrado nas partes genitais revelando os atos e as intimidades sexuais no monitor do computador?

Será que os jovens conseguirão entender que a Poesia é a transfiguração da matéria da vida - o produto da arte que copia a vida - acaso os versos contenham uma expressão (falada) do amar que em nada sugere os tempos em que vivem?

Que amar é este que não existe a não ser na expressão poética? É o que me falam a maioria dos jovens com quem convivo em palestras e eventos literários: - Tio! Não entendo como estes versos são tão babacas! É lindo mas não é o real!

Eis que ligo o aparelho de TV e tudo o que vejo em manchete são os atentados à vida e ao patrimônio, terrorismo, homens-bombas, seqüestros a tiros e granadas e tropas de elite do Estado a responder aos fogos da injustiça social com os estrondosos canhões da boçalidade brasileira sob os aplausos das autoridades públicas e de grande parte da população burguesa acossada. Para estes temas há sempre espaço na mídia.

Para o pensamento poético sequer há janelas como os tais “Cadernos de Cultura” ou “Suplementos Culturais” existentes até a década de oitenta, nos jornais mais importantes do país. Hoje em dia nem nos jornais tidos como “Cult” há espaços à altura da dignidade da Poesia.

Bem, deixemos que o tempo e os ferretes de minha condenação marquem a angústia de tentar solidariedade em tempos de amor sem lirismo e um real em que a vida e o desamor conduzem à angústia e à perplexidade.

Voltemos à realidade objetiva desta missiva.

O constante no item 08 foi recentemente lançado na Feira do Livro de Porto Alegre, em novembro de 2007, e servirá pra que compares os poetas daqui e os dos Açores. Há na obra, autores de vários estilos e escolas. A obra será lançada nos Açores lá por julho/agosto deste ano. Vou a Europa pela vez primeira, integrando a caravana gaúcha.

Dentre os poetas açorianos que figuram no livro, peço que vejas e leias com muita atenção os textos do poeta Álamo de Oliveira, p. 55:60, e a escritura de Luísa Ribeiro, p. 79:84. Assim terás uma noção da boa poesia das Ilhas Açorianas. Os outros publicados (açorianos) também são bons, ricos em peculiaridades existenciais e topográficas.

Quanto aos colegas do RS, terás uma boa mostra do que aqui se escreve em versos, obedecido o critério de ancestralidade açorita-gaúcha em cerca de oito a doze gerações (255 anos de povoamento açoriano – 1752/2007).

As outras obras coletivas (itens 09 a 11) dar-te-ão uma idéia das obras que aqui estão sendo publicadas, mormente em poesia e prosa curta, em coletâneas ou antologias produzidas por associações literárias.

Estou feliz por poder contribuir com a tua formação pessoal, em poesia. Estarei sempre à tua disposição, pois te sei valorosa e dedicada.

Acaso pretendas vir a ser uma razoável autora com apreciável obra, continua com o teu projeto de leituras. Este é o caminho.

– Do livro CONFESSIONÁRIO – Diálogos entre Prosa e Poesia. Porto Alegre: Alcance, 2008, p. 213:8.

http://www.recantodasletras.com.br/cartas/827554