Carta a Ulisses de Maio
Fortaleza, 19 de janeiro de 2008.
Ulisses de Maio,
A carta que agora escrevo explica como te encontrei meu amigo. Começo em 2003, com um segundo ano médio ainda preso ao primeiro, o qual quase perdi. Mas meu esforço permitiu-me atingir o segundo. Vale salientar que tanta dificuldade foi causada por um ensino fundamental integralmente voltado para as artes, em um colégio onde cursei meu primário servindo de cobaia para alguns professores ainda em formação. O que aprendi foi sozinho. Naquele ano ímpar, afastei-me da minha inspiração, aquela pela qual suspirava todas as noites e em cuja casa já a fora chamar. Tentava aproximar-me dela, mas ela parecia distante, embora apreciasse minha companhia. Talvez ela fosse inocente demais, ou não. Bem, eu era um fraco. Não tinha coragem de encarar a verdade, fosse ela qual fosse. Depois descobri que ela estava namorando outro homem. No Colégio Nossa Senhora das Graças, onde estudei naquele ano, conheci as primeiras mulheres a apreciar minhas poesias. Mas minha covardia era tanta que minha condição financeira era desculpa para não me sentir digno delas. Algumas chegaram a me consolar com seus doces sentimentos de encanto por meus textos, mas eu as afastei, como sempre. Foi quando conheci uma adolescente da minha idade e sala, chamada Liana. Dela tornei-me amigo, tão íntimo quanto desejei logo que a conheci. Eu era inexperiente demais. Quando ela abriu espaço para que eu a conquistasse, por mais curto que fosse o instante, eu a rejeitei, porque eu não me aceitava com outra que não fosse aquela que eu escolhera para amar. Contraditoriamente, eu me arrependi amargamente por torná-la uma mera amiga. E ela me torturou como só as mulheres sabem fazer. Foi nesse clima que passei para o terceiro ano, embora eu não tenha permanecido no mesmo colégio. Fui para o Colégio Ari de Sá Cavalcante. Lá pude dedicar-me inteiramente aos estudos e adquirir alguma base para o vestibular. Assim, fui deixando a criação poética de lado. Quando terminei o terceiro ano, decidi mudar completamente meus hábitos. Alimentação, prática de exercícios, estudos, aparência. Comecei a me desenvolver na área das ciências exatas, como um desafio, e praticava exercícios compulsoriamente. Meu cabelo estava acabado, devido a uma infecção por fungo de que eu sofria no couro cabeludo. Descobri a causa: alergia a leite. Comecei a me tratar numa clínica de medicina estética. A minha alimentação era extremamente controlada. Tinha uma dieta balanceada que excluía tudo à base de leite. Até que contraí uma micose nas pernas. Eu pensei que fosse sarna e tratei como tal, mas só fazia piorar. Quando já estava ficando uma ferida séria, eu usei iodo. Cheguei a parar no hospital, onde passei a ser medicado com analgésicos. Durante todo esse período de transformações e transtornos pelo qual passei, dediquei grande parte do meu tempo de estudo à leitura de livros de auto-ajuda. Poucos tinham efeito. Então eu comecei a ficar cada vez mais ciente de que eu precisava de ajuda e comecei a sentir vontade de ajudar a mim mesmo, como se eu fosse outra pessoa, que quisesse ajudar um amigo em dificuldades emocionais. Cheguei a ler um livro sobre hipnose, o qual pré-supunha todo estado de convicção psicológica que tornasse uma condição num paradigma como um estado hipnótico. Não continuei estudando psicologia por falta de tempo, que era todo dedicado ao tratamento da minha doença e aos estudos preparatórios para o vestibular. Então passei para Engenharia Química.
Caro amigo, não quero que me tenhas como coitado, porque não tenho nada desse adjetivo. Estou apenas explicando a formação da mente deste escritor que já foi de dramático a insensível. Durante a maior parte do ano de 2007, quando ingressei na faculdade de Engenharia Química, eu quase não escrevi. Dediquei meu tempo mais às relações sociais e à tentativa de não ser um escritor, o que pressupõe escrever mais do que viver; porque, para escrever, o escritor deixa de viver. Isto é, deixara de escrever para estudar, mas, em vez de estudar, fazia amizades e procurava mulheres, como todo homem solteiro faz. Perto do final do ano, larguei a faculdade temporariamente para trabalhar e amadureci bastante. Então, conheci uma garota, chamada Rosana. Ela tem dezenove anos e estamos namorando. Agora, depois desses quatro anos de modificação, estou voltando a ter alguns traços do velho Hugo, como a aptidão para escritor. Além disso, estou curado do fungo nas pernas e no cabelo. A criatividade misturava as idéias na minha mente e, se não fosse minha maturidade, eu não daria conta de nada, talvez nem dormisse. É por isso que tu existes, Ulisses, tu eras minha armadura, minha coragem e segurança. Mas, quando me desprendia de ti, não te ofendas, é porque eu era mais criativo quando estava mais aberto a todos os sentimentos que eu podia experimentar.
Espero que nossa coexistência amadureça cada vez mais. Com muito orgulho de tê-lo criado, despeço-me de ti, Hugo Proença Simões.
H. P. Simões