BAILARINA
Não é porque um dia amei de outra forma
Que hoje eu não te ame o bastante ou tanto.
Não foi porque começou hoje cedo que hoje à noite eu não possa te amar com todas as
minhas células.
O amor nos acompanha desde sempre, desde o início, desde o embrião.
Toma formas, ganha forças, aumenta desafios, passa de fase.
Mas se tem uma coisa em que ele se repete são os erros.
Os erros de nós mesmos.
Os vícios que carregamos a vida toda nas costas, as angústias adormecidas que são invisíveis ao mundo.
Nosso corpo então nos chama para amar de novo. Todo dia o nosso corpo nos chama para
amar de novo: seja ele, ela, um cão, um gato, um peixe.
Seja um lustre, um copo, um vaso, um quadro.
Nosso corpo vem e nos perturba mais um desafio.
Tenha um filho, perca peso, ganhe dinheiro, visite o mundo, corte o cabelo.
Em cada ato desses que, involuntariamente, chamamos de nossos, ouso dizer que não o são.
São frutos do amor guardado. Do amor protegido, do amor que descarregado e que transborda.
Em tudo e todos.
É o amor que nos pinga das mãos, que nos verte nos braços, que nos salta dos olhos.
Estamos sempre em ponto pra debruçar e despejar todo o nosso amor contido.
Nos esforçamos vidas pra não pregarmos faixas amarelas em entradas de favelas, pra não
contratarmos carros do sonho, pra não gastarmos todo nosso tempo ouvindo músicas de
amor, pra não irmos até lá e raptarmos a pessoa amada.
E aí, por não obedecermos as enigmáticas sensações, amamos o amor dos outros.
O amor que nos fora contado, o amor que nos fora inventado, o amor que nos fora injetado.
Por que? Pra quê?
Pessimamente, não por nós. Pelos outros.
Que absurdo infértil cogitarmos que o amor nosso não seja só nosso.
"Só eu sei o que te amei, como te amei e o que fiz por nós."
Então o amor inventado, por outros no começo, é descoberto verdadeiramente individual no
fim.
Mas aí é já é tarde.
E o amor vira história. Vira mágoa, vira passado e vira tempo.
Somos isso e tudo aquilo que ainda iremos ser diferente do que somos até aqui,
exclusivamente, por causa do amor.
Só o amor é capaz de sermos ridículos por escrevermos cartas de amor, por dolo.
Só o amor é capaz de fazermos loucuras nunca antes pensadas feitas sem olhar pra trás.
Só o amor é capaz de ligarmos no meio da tarde pra uma confidente pra escancarar a
vontade mais louca que vamos fazer, sorrindo.
Só o amor é capaz de jogarmos tudo pro alto.
Só o amor é capaz de nos fazer morrer por ele e continuar vivendo.
Só o amor é capaz de rirmos de piadas de nós mesmos.
É um encontro consigo mesmo visto dentro do outro. É a grande chance da existência.
É o sentido da vida.
É o passo perfeito.
É o deixar de caminhar e sair dançando. E dançando, e dançando…
Nessa valsa do destino, bem-aventurados os que encontram sua bailarina.
Que entregam todo o seu eu, verdadeiramente desde sempre, desde o início.
Pra àqueles que tratam amor como música, ao invés de jogo de tabuleiro.
Pra àqueles que admiram o suspiro, o perder o sono, o salgar a comida, o tomar a chuva.
A potência.
A força do amor.
A coragem do amor.
O encanto do novo amor,
E tudo que pudermos imaginar com ele.
Ao cair e se levantar por ele
Porque o amor já estava ali desde sempre.
Porque nosso amor é tão bom
E o nosso horário sempre combina.
Pra você.
Com amor maior que ontem.