BRANCA
Deitado no campo ermo, onde nós namoramos tantas vezes, 4 de fevereiro de 2025.
Minha querida Branca, espero que esta carta lhe encontre um dia e que ela transmita o sentimento que sempre tive por você.
Hoje estive pensando, após ler uma carta publicada em um livro por uma poetisa que aprendeu a escrever já avançada na idade, em como nos conhecemos e como tudo se desenvolveu entre nós. Foi uma viagem no tempo, confesso, mas uma viagem feliz e nostálgica, tal qual o paradoxo que vivo, tendo-lhe dentro de mim e tão distante física e amorosamente.
Lembro-me de quando sentávamos num tronco à frente da casa de uma amiga sua, e ficávamos conversando. Todos iam embora, mas por algum motivo você ficava comigo. Claro que eu não percebia sua paixão. Para mim era só amizade. Afinal, você não deixava resquícios de interesse à minha pessoa, a não ser um enorme carinho por mim e um zelo fora do comum por nossa amizade.
Ali conversávamos sobre muitos assuntos, e nossas conversas pareciam não ter fim. Líamos poesias de autores consagrados da nossa literatura, como Castro Alves, Costa e Silva e Cruz e Sousa. O tempo voava e não víamos a hora passar. Não tínhamos medo da madrugada e de sermos roubados, porque não tínhamos bens materiais. Eram dias difíceis para nós, pois não trabalhávamos.
Depois de um tempo, sua amiga se mudou daquela residência e nós tivemos que transferir nosso _point_ para outro lugar. Não sei de onde surgiam tanta criatividade e tantos assuntos, lembra-se disso? Fizemos poesias juntos:
"Corre vento, vento corre,
Não posso viver sem ti..."
Eu ainda trago na lembrança os nossos versos, a essência do seu corpo e do seu hálito, o cheiro do prado do novo point que encontramos: era um terreno baldio, onde havia um tronco de árvore, em que nós ficávamos conversando, nos beijando, namorando, vendo o céu estrelado e ouvindo o trem passar ao longe, assim como os grilos que cantavam à noite.
O seu corpo magro possuía uma cintura de pilão que me encantava de uma maneira que não consigo explicar com palavras, porque corro o risco de parecer mais visual do que de fato sou. Eu pegava nela com força o suficiente para demonstrar minha ternura, e você, como flor na primavera, eclodia com alegria e satisfação. Como não percebi que precisava cuidar daquele sentimento, dando-lhe maior importância e dedicação? Realmente fui muito tolo e hoje sofro mais do que poderia imaginar, já que as consequências do meu pecado ainda perduram, como se fossem correntes presas num esqueleto.
Em nossas conversas sobre poesias — e não existia a IA naquela época — você sempre profunda, adentrava em cada verso, que, mesmo em tenra idade e pouco estudo me surpreendia, e me deixava tão feliz. Nesta missiva que declaro minha alegria, porque nunca mais tive uma pessoa que fizesse a mesma coisa que você fez, ou seja, entrar em meu mundo e ficar submersa nele, por vontade de amar o bardo e sua arte. Certamente, se você lesse uma poesia minha sem assinatura, reconheceria o autor, de tanto que me conhecia.
Em nosso último encontro, que aconteceu por acaso, eu declamei um poema, mas você disse com um sorriso no rosto que demonstrava certa surpresa, pela minha evolução, que não reconheceria. Ali, sem que você soubesse, eu chorava por dentro, pois de fato tinha perdido minha fã número um; a fã que cuidava de mim e da minha arte. Eu via o laço de amor, de paixão, de conexão de arte quebrado. O elo invisível se desfez, tornando-se nada mais do que um passado que não poderia ser reconstruído. Vi que não poderia lhe enviar mais poemas, mensagens, que não poderia escrever esta missiva... Já se passaram mais de dois anos que nos vimos. Agora que escrevo, quase sem esperança de que você leia e consiga derramar ao menos uma gota de lágrima carregada de emoção, lembrando-se daquela troca mútua e que não tivemos mais com ninguém, porque nossa perda realmente foi muito grande, pelo menos para mim.
Lembra-se das nossas aventuras e das longas conversas no ginásio de esportes? Ficávamos horas a fio, falando sobre tudo e nada. Você sentia saudade do seu pai, chorava em meu ombro, buscando o lenitivo que tanto almejava. Eu não podia suprir aquela saudade, porque seu amor em relação a ele sempre foi incondicional, diferente do amor que sentia por mim. Eu também tinha as minhas próprias saudades, e você era meu porto. Sem dinheiro nós ouvíamos o bulício da festa da chácara alugada, o movimento de entra e sai de gente e de automóveis e nós não podíamos comprar um cachorro-quente. Contudo, éramos felizes, pois tínhamos um ao outro.
Eu não entendo o porquê de um relacionamento tão lindo se findar de maneira abrupta, sem chance de perdão e reconstrução. Infelizmente os seres humanos são duros de coração e se perdem em suas mágoas ou procuram se livrar delas, deixando o buraco profundo dentro do peito, como se nada tivesse acontecido e trocam de parceiros como se troca de sapatos. Dentro de mim, a saudade ainda existe e ela ainda pode servir de chacota e incredulidade, mas eu espero, como já disse, que esta carta lhe faça lembrar de como éramos puros e de como nosso relacionamento era salutar, pois não brigávamos. Então, onde quer esteja, linda Branca, desejo sua felicidade, embora meu peito ainda sinta um vazio enorme, por causa da sua ausência.
Seu, em secreto, mas só seu,
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