Ai... mãe
Ai, mãe, mãe, nós estamos bem. Estamos tão bem que não reconhecemos mais o que é estar mal.
Sim, mãe, estamos todos juntos nesta harmonia silenciosa de quem finge. Da parte paterna, tudo parece sereno, um remanso de relações que sobrevivem ao tempo e à distância. Falamos, não constantemente, é verdade, mas o suficiente para manter as aparências, para que ninguém diga que somos estranhos entrelaçados por laços de sangue.
Mas, mãe... Ah, mãe... Entre nós, entre aqueles que carregam na carne o peso da tua ausência, o clima é outro. Eu, o acusado, o sacrificado em praça pública, aquele que supostamente selou teu destino para ganhar ouro maldito. Eles dizem que te ofertei, que foi teu coração entregue aos deuses das trevas que comprou as paredes que me cercam e o chão que piso. Como é belo o julgamento de quem só vê com os olhos e não com o espírito, não é?
Mãe, o primogênito não é mais meu irmão. Ele se proclamou juiz e algoz, puxando consigo os menores. Proibiu até o que era natural, o calor de uma conversa entre mãos que deveriam se segurar. Eu bloqueei, é verdade. Calei o telefone dele no meu. Sabe, mãe, silêncio é paz. Talvez seja essa a única paz que me resta. Mas veja só o destino cínico: ele grita do outro lado que os menores não falem comigo, que meu toque queima como fogo impuro, como se o meu luto fosse menos sincero, como se o peso da tua partida não me esmagasse todos os dias.
Dizem que os mortos nos observam, que escutam nossas preces engolidas e nossos sarcasmos disfarçados de poesia. Então, te digo, mãe, aqui vai:
"Estou tão rico que perdi os abraços dos meus.
Tão abastado que a saudade é meu único tesouro.
Eles me acusam de ocultismo, mas o verdadeiro mistério está no coração de quem guarda rancor e chama isso de justiça.
Ah, mãe, estou bem. Estamos bem.
E quem acreditaria em algo diferente?"
Se puderem nos ver daí, avisa a eles, mãe. Diz que meu único crime foi sobreviver, que a tua ausência não é minha vitória, mas minha cruz. Diz, mãe, porque aqui as palavras já não encontram ouvidos dispostos a escutá-las.