O Último Navio e a Última Carta

O Último Navio e a Última Carta

Meu nome é Victor, e não sei por onde começo. Talvez comece com a memória, mas dela nada mais resta. Tão certa quanto a fumaça que paira sobre um mar desolado, esta vida parece ter sido destinada a desaparecer na névoa do nada. Vivo numa guerra que não é mais apenas do campo, mas da alma, e a verdade — tão dura quanto o aço — é que, depois de tanto tempo, já não consigo discernir o som da morte de uma ressaca qualquer que quebra na areia.

Aqui, neste barco que chamo de meu único lar, vejo o horizonte a perder de vista. Não há mais esperança. Tudo que é digno de viver acabou. Aqueles que seguem a bordo são sombras de si mesmos, arrastando seus ossos fatigados pela eternidade da maré. E eu sou apenas mais uma delas. Um corpo marcado pelo peso das promessas quebradas e pelas falsas ilusões de redenção. A guerra — essa velha amiga que nunca me abandonou — não acabou. Ela transcendeu os campos de batalha, invadiu as casas e os corações dos que restaram. Agora, os canhões silenciam, mas os corações se dilaceram no desespero.

Com as mãos trêmulas, segurei a última carta. Ela estava amassada, envelhecida como se o tempo tivesse se apropriado dela antes mesmo de seu conteúdo ser escrito. A tinta já se desvanecera, mas não precisei ler as palavras para saber o que ela significava. Era um adeus. Um adeus que foi escrito com o eco das lembranças de um mundo que já não reconheço mais. As palavras foram a última tentativa de algum de nós tentar humanizar o que já se desfez: "Quando tudo terminar, você será lembrado", diziam.

Mas quem sou eu agora senão uma sombra que lentamente se apaga? Não há ninguém para me lembrar. A minha memória, esvaziada, é uma cápsula perdida no mar de promessas não cumpridas, onde as ondas são mais implacáveis do que qualquer inimigo que já tenha enfrentado. Não há aplausos para o herói aqui. Não há choro, não há reconciliação. Apenas uma lenta e interminável sucumbência ao implacável processo de ser esquecido.

O navio segue, como o meu espírito, sem direção. Nunca houve um ponto de chegada. A terra firme que buscamos, sempre em fuga de algo ou de nós mesmos, é uma ilusão. As chamas que devastaram nossas aldeias — nossa humanidade — ainda queimam dentro de nós, e nada extingue o inferno. Continuo aqui, de pé, mas que de pé? Aqui, onde tudo foi dilacerado pela miséria das escolhas feitas, das vidas interrompidas e dos sonhos anulados, a única coisa que resta é o peso da impotência.

Os rostos ao meu redor são irreconhecíveis. Não há mais aquela mesma luz, aquela esperança de outrora, a mesma saudade que se fixava nas tardes serenas. Agora, cada um se revela no mais cruel dos reflexos: um homem guerreiro que já não entende de combate, um corpo que pulsa apenas pela força da inércia. Somos estranhos uns aos outros, porque, na guerra que travamos, deixamos de reconhecer até nossa própria humanidade.

Eu não sei mais em que caminho pisar. Sinto-me enterrado num labirinto de angústia em que, mesmo tentando escapar, não encontro saída. Só vejo a pedra fria e a escuridão sem fim. Ah, se a morte fosse mais fácil, mais simples. Se eu pudesse apenas me afogar nas águas que tanto desafiam. Mas há algo cruel nas ondas; elas nunca aceitam os derrotados sem que sua dor se arraste.

E a carta? Agora, mais do que nunca, ela representa o peso que carrego dentro de mim. A última chance, o último grito no abismo. "Quando tudo terminar", diziam. E se o fim for uma mentira? Se a dor for eterna, se a culpa for o último sentimento de que somos feitos?

Então eu permaneço aqui, neste navio que se arrasta, esperando o fim. As cordas e os ventos me chamam para me perder no abismo do mar, onde talvez a dor seja finalmente silenciada. Mas sei, no fundo, que não posso deixar de buscar aquela última resposta. O mar nunca irá me dar uma resposta, mas talvez, ao menos, essa viagem se torne o último suspiro de tudo o que um dia fui. Fui herói? Fui derrotado? Na guerra que travo comigo, sou apenas um vulto que não pode mais se perder.

Talvez esta seja a última carta — não de mim para alguém, mas de mim para nada. E se essa for mesmo a última, deixe-me, então, despedir-me com as palavras que ainda sinto em minha alma.

Adeus.

VICTOR BRAVO
Enviado por VICTOR BRAVO em 03/01/2025
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