Carta sobre os 40 anos do STTR de Afuá

Belém, pensando em Afuá, 18 de dezembro de 2024.

Caríssimas e Caríssimos,

Primeiramente quero destacar que esta é uma carta de felicitação intergeracional. Daqueles que estão, dos que estiveram e dos que estarão nas lutas sindicais do meio rural de Afuá, no meio da água, quase no meio do mundo. De ilhas que negociam a passagem do fabuloso Rio Amazonas para o encontro com o mar e que testemunharam a resistência de camponeses e camponesas para proteger seus direitos de viverem nas matas de várzea da região. São 40 anos de uma gloriosa história de ensinamentos de que é possível transformar a utopia da reforma agrária no Brasil em sonhos coletivos concretamente vividos.

Tenho aprendido com o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras de Afuá que mais do que mobilizar, é necessário consolidar a organização social com propósito e esmero. Vejam que a morte do companheiro Bira em 1983, morador da Ilha dos Bodes, transfigurou-se na indignação, revolta e mobilização para exigir que a justiça fosse feita. Depois tal movimentou aprimorou-se para uma etapa de estruturação desses pensamentos que caminhou na criação de uma instituição em 1984 que pudesse lutar pelas comunidades agroextrativistas de Afuá em seu direito à terra e à natureza, em sua coleta dos frutos de açaí, pesca do camarão, plantio de suas roças e construção de suas casas. Bira, lá da morada universal em que está, certamente se orgulha de seus irmãos e irmãs de batalha.

Nas contas que faço sobre os resultados das ações do STTR, na exigência que fizeram junto ao governo federal e seus órgãos fundiários para a garantia da segurança da terra em favor das famílias locais, ainda me espanto em saber que cerca de 95% das ilhas de Afuá foram destinadas para a implantação de Projetos de Assentamento Agroextrativista criados pelo Instituto Nacional da Colonização e Reforma Agrária (Incra) entre 2005 e 2014. Também é surpreendente saber e importante informar as pessoas que 98% deste território destinado é coberto por florestas e recortados por inúmeros rios e igarapés onde lançante e pacuema, preamar e reponta conduzem as vidas locais com respeito à Mãe Terra. O companheiro Erivelton Miranda deve estar feliz com essas conquistas.

Mas todas as gerações têm seus desafios. A luta de hoje é que sejas assegurados os direitos adquiridos e ampliá-los. O esforço atual é de se atualizar as relações de beneficiários dos assentamentos, dar chance às pessoas em acessar recursos econômicos e financiamentos de bancos públicos como o Pronaf; também diminuir os conflitos de terra entre posseiros, muitas vezes da mesma família, combater as tentativas de ressurgimento dos “velhos patrões” e iniciar as discussões sobre as mudanças do clima. Para isso, as novas lideranças sindicais precisam escutar a voz da experiência vinda de lutadores e lutadoras que apesar dos cabelos brancos, permanecem fortes em sua esperança por justiça social, mantendo sua juventude em corações e mentes. Nesse sentido, é primordial manter a parceria com a Comissão Pastoral da Terra, que historicamente muito ofertou formações e ainda oferta espaços de debate sobre o mundo e suas controvérsias. São irmãos e irmãs de caminhada.

Os próximos anos serão bastante desafiadores, numa constatação que o clima está mudando, que mexe com as marés, com a cor da água, com a quantidade de peixes e camarão, com as chuvas e com os açaizais. Para esse enfrentamento, havemos de ser criativos e havemos de ser estudiosos para buscar soluções, principalmente nos temas de manejo da floresta, moradia, saneamento básico, educação, saúde e segurança pública. Uma das ações essenciais também é denunciar o sistema capitalista que nos trouxe a crise climática e cobrar condições sociais e econômicas para que mantenhamos nossa cidadania.

É preciso que o mundo conheça a experiência de Afuá, localizado na foz do maior rio do mundo, onde há 40 anos se começou uma revolução tendo como armas a organização sindical, a lamparina, a peconha e o açaí.

Não sei se um exemplo de comunismo, mas certamente de comunitarismo!

Viva o STTR de Afuá!!

Com toda admiração e respeito,

Carlos Augusto Pantoja Ramos.