Uma vida sem importância

A verdade é que existe um risco de suicídio. A pior experiência que podemos experimentar é o abandono. A sensação de ser deixado, do irreversível circula no sangue como um vírus dominando o corpo antes do golpe fatal. Sentir-se sozinho é por si uma crueldade muitas vezes autoimposta.

Aos 17 anos uma namorada me trocou por um homem de quarenta e poucos. Foi uma experiência terrível e mais difícil quando eu via ambos juntos nos eventos que obrigatoriamente precisávamos participar. Era uma coincidência, uma terrível coincidência.

O sofrimento começou assim: primeiro doía a distância, depois vê-la com outro homem e, finalmente, as memórias. Não sei o que seria de mim se o tempo não curasse tudo.

Mas são as memórias que nos destroem. Os momentos vividos que ficam eternizados nos céus da nossa história. Destroem, claro, quando o fim é irreversível.

É o caso da morte.

Graças as lembranças guardadas também nas nuvens da tecnologia lidar com a perda é muito difícil. Antes tínhamos o benefício da distância, mas em tempos radicalmente tecnológicos distância não existe mais.

Daniel pega seu telefone para me dizer quantas pessoas estão curtindo a página da sua banda, seu novo projeto em construção: três. Uma delas Priscila. Já tenho escrito sobre a morte, aos 35 anos, desta moça, ou como diz Daniel, anjo. Seus olhos ficam marejados. Me sensibilizo com a dor dele pedindo a Deus que seja eu a morrer primeiro porque não estar vivendo a vida com quem eu amo já é difícil, saber que apenas eu estou aqui será devastador.

Busco seus olhos para pedir que seja forte. Mas, sinceramente, como se pode ser forte sabendo que a mulher que se ama não está mais neste plano?

A ideia por si me deixa apavorado. Ainda que esse seja o destino de todos.

Ele me retribui o olhar agradecendo enquanto busca forças para erguer a cabeça.

A gente nunca supera a dor da perda, aprende a conviver com ela.

Ele diz que não sabe como será o futuro. Que reza pedindo para que seja levado junto. Mas graças as redes sociais, porque nem tudo é tão ruim, amigos manifestam carinho e apoio. As postagens cheias de dor transmitindo esse desejo pelo fim é combatida pelo amor dos vivos. Alguns tentam dar aquele choque de ânimo, outros oferecem o ombro para que ele chore. Mas o mais importante é fazer-lhe sentir acolhido. Ele sorri. Se anima e volta a conversar sobre os próximos passos para sua banda lançar o primeiro álbum. Sem dúvida será o mais significativo por tudo que está em torno dele.

Torço por ele, de coração. A morte já levou um anjo, será terrível que leve outro.

John Raskólnikov
Enviado por John Raskólnikov em 01/12/2024
Reeditado em 01/12/2024
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