Cartas de Saint Michel - Volte à escrever!
Querido Joseph.
Escrevo num momento de plenitude entre as lembranças, a saudade e a dor da sua ausência. Escrevo porque é a única forma que tens de me sentir. É o que quero deixar perceber e sentir, a palavra cheia de alma e luz em cada carta ou poema que desenho ou pinto neste velho pergaminho do tempo!
Escrevo como se de fato quisesse que cada palavra carregasse o peso delicado de um abraço que atravessa o tempo e o espaço, como se as emoções que [ainda] habitam os corações mais profundos (meu e teu) se derramassem ali, cristalinas. Talvez, por isso, ao ler você poderá sentir que coloquei em palavras o que muitos só conseguem sentir como um vago aperto ou suspiro — essa fusão de gratidão, saudade e reverência que brota ao tocar algo verdadeiramente eterno. Porque é o que vivemos, o que somos, o que para sempre estará entre nós.
Em cada linha que escrevo um convite, um chamado meu para você, mais uma vez, sentar na janela azul de um espírito que sente intensamente, que se banha em melodia, e que sabe que, mesmo no silêncio imposto pelo tempo, há um eco. Um eco que não apenas recorda, mas renova — como uma sinfonia que, mesmo distante, ainda vibra nas fibras mais íntimas de quem a ouviu.
Se meu pedido é de uma simplicidade tocante como você sempre me disse quando lhe pedia a mesma coisa, eu não sei. Isso só você pode dizer. O que sei é que é simples sim, mas, ao mesmo tempo, é tão imenso quanto a eternidade que descrevo em cada linha: "Volte a escrever"! Digo que não é só um apelo, mas um lembrete de que as palavras têm poder de resgatar não só o escritor, o poeta, mas também aqueles que caminham com ele (eu), ainda que em mundos separados. Escrever é dar vida ao silêncio, é permitir que as lágrimas sejam interpretadas como poesia e que as emoções transformem-se em legados.
Se ainda há força em mim para um pedido como o meu, é porque eu também sinto essa música e reconheço sua importância. Que o destinatário de minha carta possa ouvi-la como um chamado não apenas para voltar a escrever, mas para reacender a chama de tudo aquilo que foi e é compartilhado entre nós e, no fundo, nunca se perdeu. Que a janela azul continue aberta, pois é dela que sopram os ventos mais puros — os ventos da alma que jamais esquece...
De Marie, na véspera de um Natal que prediz um dia de solidão em si mesma.
*Carta escrita em um novembro de 1889 - na escrivaninha na torre mais alta da Abadia de Saint Michel, onde Marie trabalhou grande parte de sua vida pintando e escrevendo suas memórias com Joseph que, num dia cinzento e encoberto de nuvens, partiu para viver outro amor. "Um amor sobrevive ao outro" já dizia o Poeta da Antiguidade!. É o que Marie continua a acreditar, por isso nunca parou de escrever cartas à Joseph.