CARTA A ALGUÉM
Depois que o mundo perdeu sua cor, acabei reparando que meus olhos eram tão escuros quanto ele. Não havia nada que me pudesse colorir o caminho. E então, no escuro, tropecei nas pedras e, cambaleando em tudo, caí: igual uma gota de chuva, que cai para o esquecimento - Ninguém liga para algo incolor...
Minhas memórias foram as únicas que permaneceram vivas, bajulando o meu ego.
Por um instante lembrei de alguém que tinha os olhos tão negros quanto os meus. E, por outro instante, senti pena. Mas não por alguém, por mim mesmo. Por meu egoísmo e omissão. Preferi o silêncio, e este apenas enganou os outros, porque dentro de mim gritavam os demônios, em meu nome:
Ai do vento, que te cobre as pegadas na areia, e priva-me de saber a direção que vais;
Ai do barulho das ondas a quebrar na praia, que me impede de ouvir tua voz, teu riso, teu grito;
Ai das horas, que priva-me da tua presença, sangra-me a vida, e alimenta a saudade.
Ai de mim, por todas as máguas guardadas, que fingi esquecê-las, para poder lembrar de ti.
Ai de você, por ter me conhecido...