A ultima Carta do Ultimo Romântico
Para Roxana
Quando você me perguntou como eu me sentia ao completar quarenta anos, poucas conclusões eu poderia expressar, mas levando marteladas dessa dúvida ao longo de dias, uma das considerações que fiz era que o passar dos anos suavizaram o amargor das desilusões amorosas e dos fracassos do cotidiano e assim, o olhar insistente da minha caixa cheia de estilhaços de esperança já não me perturba tanto. Amadurecia, deixava para trás as certezas de um futuro moldado nos comerciais de refrigerantes e de parques de diversões.
Mas mesmo pensando como um nilista deprimido a beira do suicídio, esse tipo de pensamento melancólico tornava-se um tanto picotado em sua extensão, por microfilamentos de tempo, tão pequenos que tendiam a zero, mas dentro da escala dos infinitos negativos, o zero torna-se tão grande que viajar ao passado é insignificante, e explosões de pquenas emoções cegam meus olhos: fótons de luz que fatiam a escuridão da melancolia e transforma a razão em fé. Não na fé mistica, mas na fé da esperança. A fé que une o aristotélico e o platônico. A fé que se banha no lago de Heráclito e navega na canoa de Parmênides e os estilhaços da certeza única se misturam aos estilhaços da esperança múltipla daquela caixa fria, multiplicando-se.
Das lembranças daquela voz elogiosa que manifestava uma surpresa diante das declarações do amigo apaixonado “se é assim com uma amiga, imagina quando encontrar alguém para dividir a vida, (a ideia do último romântico)…” fica a revelação de que você nem imaginava que era com você mesma que eu compartilhava a minha vida fragmentada de 40 anos. Um partilhamento singelo e intimo, mais intimo que minhas experiencias afetuosas, mais intimo do que aquele experimentado com os cinco irmãos com os quais dividi a mesma casa por mais de 20 anos. A intimidade daquele que teve o privilégio de passar um dia ao seu lado escolhendo chinelo para o pai (“Imagina essa sola pisando no cocô de galinha”, você observava. A intimidade da indulgência que o arrependido haterzinho do veganismo lhe devia. Mas acima de tudo compartilhava um amor inocente, daquele apaixonado que desvia o olhar do corpo e investe na visão da alma e encontra paz no doce ato de acariciar a macies da pele daquelas mãos tão delicadas.
Era um sonho revivído a cada amanhecer, e enquanto talvez você estivesse ainda dormindo, depositava suaves mensagens de carinho no whatsapp com a despretensiosa intenção de que quando as lesse, fosse tomada pelos mesmos sentimentos que uma criança feliz é tomada quando encontra os ovos de chocolate e outros presentes deixados pelo coelho da pascoa. Desejava que você fosse a Alice sorrindo com a presença do coelho. Que você tivesse o mesmo brilho que a Sofia trazia nos olhos ao receber através do cão Hermes as cartas do professor Albert Nox…
A parte feliz é que bons feedbacks eram colecionados com essa minha importunação afetuosa. Aliás, outra estrela cadente escorregava pelo horizonte do meu infinito, no momento em que voce me enviou seu contato de telefone pelo instagram, afirmando que se ausentaria daquela mídia social, fato que não se concretizou, elevando a magnitude dos meus saldos positivos, ao passo que dessa forma posso importuná-la por duas vias diferentes.
Nesses quarenta anos maltratados pela ação do tempo, a consciência da minha insignificância diante do mundo nunca foi tão clara e honesta, a sensação de que a maior parcela da minha vida já é passado intensifica a importância de capturar nos olhares e sorrisos aquela sensação de que viver é bom, e ainda me dá a elegância de interpretar Pedro e ir enxugar as lágrimas no banheiro para que ninguém perceba que a emoção transmitida através de um vídeo de uma pessoinha emocionada ao expressar seu amor pela mãe era os motivos pelos quais meus olhos se mareavam….
Sem mais ideias para continuar essas confissões, e para não roubar demais seu precioso tempo, deixo aqui o ponto final dessa minha pobre gramática, como uma gratidão por dedicar tanta atenção ao seu amigo imperfeito, envelhecido e ranzinza. A gratidão daquele cego que depois de quarenta anos caminhando e errando na escuridão de um labirinto, pode finalmente encontrar a luz brilhante acendendo o fogo de suas próprias palavras...