Carta aberta à resplandecente lógica da opressão.
Olá, querida Pérola!
Sei que é chato, mas pelo andar da carruagem, parece-me perspicaz e necessária a mera recordação de que há em percurso um fenômeno social complexo que provavelmente todos estão cientes, ao menos se imagina que sim.
Sempre é de bom-tom lembrar que o racismo estrutural, conceito deveras debatido (não tanto quanto o tema exige) se manifesta em diferentes esferas de nossa sociedade, afetando diretamente a dignidade e a existência de milhões de pessoas. Esta mecânica minuciosa tem por combustão um conjunto de práticas, políticas e normas que, de forma sistêmica, perpetuam desigualdades raciais. Desigualdades estas, infelizmente entranhadas em nossa história capitalista, oriundas de um passado sombrio; instauradas sutilmente, mas perenemente, em nossas instituições sociais, econômicas e políticas.
Lembro-te, minha cara amiga, que este sistema opressor que perigosamente te abraças é caracterizado por:
• Desigualdade de Oportunidades: contribui para a limitação de acesso à educação de qualidade, emprego e saúde, especialmente para minorias raciais.
• Estereótipos e Preconceitos: A sociedade muitas vezes perpetua estereótipos negativos que afetam a percepção sobre determinadas raças, influenciando comportamentos e decisões.
• Violência Institucional: Em muitos contextos, a violência policial e a aplicação da lei são desproporcionalmente direcionadas a grupos raciais marginalizados, refletindo uma estrutura social desigual.
• Apagamento histórico/cultural: Condicionamento ao acesso à cultura e à história de grupos étnicos raciais, com intuito de minimizar ou delimitar o conhecimento, o respeito, a continuidade de sua história e possíveis legados.
Atenho-me aqui ao apagamento, pois não posso deixar de recordar que a cultura ao qual também pertenço está sendo paulatinamente sucumbida, apagada, sendo somente e enfatizo o “somente” lembrada nas escolas e também na vida cotidiana no mês de novembro, aliás, no dia 20 de novembro, data em que se homenageia a morte de Zumbi dos Palmares, amiga Pérola, a minha existência para ser recordada teve de ser relacionada à morte de alguém como eu, inocente, cuja cor da pele determinou seu destino e as consequências deste, alguém que precisou sofrer para ser reconhecido.
Quem não se lembra de João Alberto Silveira Freitas, homem negro morto por espancamento na porta do Carrefour em Porto Alegre, justamente no dia 20 de novembro de 2022? É cruel pensar que no dia da Consciência Negra falte-nos consciência. Mais cruel ainda é conceber que quem tanto sofreu e tanto contribuiu para a nossa sociedade, cultura, história e fisicamente, tenha diluída sua dor em apenas em um mês de consciência, o pior ainda é que este mês que simbolicamente nos representa seja parte subalterna de um processo de apagamento.
Termino esta breve carta referendando os efeitos deste que a tem por afeto, o Racismo Estrutural não se restringe a uma única geração, ele se perpetua e corre o tempo, criando ciclos infinitos de dor e exclusão, que marginaliza, segrega, destrói autoestima, afeta saúde mental e as oportunidades de vida. Além disso, gera um clima de divisão social, dificultando a construção de uma sociedade justa e igualitária. Essa utopia que todos almejam.
Por fim, peço-te, querida Pérola da Lagoa que não esqueças que de todos os malefícios possíveis, o mais fugaz é não reconhecer que mesmo tardio e insuficiente, o mês de NOVEMBRO é o mês da CONSCIÊNCIA NEGRA e qualquer coisa diferente disso corrobora para que teus abraços sejam correspondidos e eternos.
Abraços de teu sempre amigo, Robson Sckuro.