Cartas de Saint Michel - minha alma em fragmentos

 

Querido Joseph. 

 

Escrevo para lembrar que a primavera chegou... e outubro se aproxima para recordar o dia em que "eu me mostrei"...

 

Eu sonho... sim. Sonho com um destino misterioso e indizível, impossível de explicar. Há uma clandestinidade no que sinto, um segredo que nem eu mesma ouso desvendar por completo. O que o mundo tem a ver com isso? Às vezes, me pergunto se tudo não passa de uma invenção da minha mente, sempre tão prolífica em criar fábulas, histórias impossíveis. Talvez eu beire à loucura, ou talvez apenas veja o que os outros se recusam a enxergar. É por isso que escrevo. Logo partirei, e o que restará de mim serão os fragmentos que desenho nas paredes das minhas cavernas interiores — pedaços esparsos de minha humanidade, cacos do meu pensar flamejante sobre a vida, sobre o amor, sobre o mundo. Um mosaico que, no fundo, forma o retrato de quem aprendeu a amar... e desse amor, a voz nunca mais se calou.

 

E no meio do silêncio, chamo teu nome. O vento, no entanto, não ouve o meu chamado. Inspiro o ar com força, como se ao fazer isso pudesse parar o tempo, encher teus pulmões e tua alma com a presença que trago dentro de mim. Uma presença que jamais se esvai, mesmo que o mundo acredite no contrário. Porque, para ti, para o mundo, nada existe. O Sol, mesmo em seu brilho absoluto, não reconhece a Lua que o corteja nas sombras da noite. Não há encontro, apenas o eco do que poderia ser.

 

O tempo passou, e ainda guardo o teu segredo mais sagrado. Esse que teus olhos nunca ousaram desnudar diante do mundo. Talvez por medo, talvez por não saber como. E eu, ao parar para pensar nisso, sinto uma onda de compaixão pelo tempo que passou e se perdeu para sempre. Então, eu choro. Lágrimas que desenham sulcos envelhecidos pelo meu rosto, marcando o tempo que passou... o tempo que ainda passa. Amanhã, talvez, não nos reconheçamos mais, nossos cabelos brancos e corpos cansados serão estranhos um ao outro. As folhas cairão de nossos galhos, e derramaremos mais lágrimas — por tudo que não vivemos, por tudo que nunca fomos.

 

Vivo à berlinda do saber. Não conheço o futuro. Se há um plano traçado para mim, ele me escapa, me é negado. Nada me foi dito, nada me é compartilhado. E mesmo que eu quisesse dizer algo, quem acreditaria? Não há como provar a existência dessa luz, dessa voz que me fala em segredo, que me ama em cada palavra, que me enternece com amor e paixão a cada dia. Para o mundo, para ti, nada disso existe. Mas para mim... Ah, para mim, é o que me sustenta. Essas palavras, esses hieróglifos que escrevo nas paredes da minha alma, são as únicas estradas que conheço. Elas se perpetuarão pelos séculos, para que um dia minha alma se lembre de que sonhou... de que acreditou... mesmo no que nunca viveu.

 

Eu já não sei se há mais caminho, além do que as palavras traçam. Mas sei que, em cada uma delas, há nós dois. Há amor. Amor que nunca cessou de crescer, mesmo em silêncio. Porque, ainda que as estrelas se apaguem e o universo conspire para nos separar, as palavras são eternas. São elas que ecoam, quando o mundo emudece.

 

Em amor, 

Tua Marie, olhando pela nossa janela a Abadia de Saint-Michel, num setembro de 1889.