Escreva-me
Você se despediu de mim e disse: escreva-me . Isso foi há cinquenta anos atrás e agora eu estou escrevendo.
Nem sei por onde começar! Tantas coisas para contar.
Em primeiro lugar quero dizer que fiquei todos esses anos pensando no que escrever e aí foram acontecendo coisas e eu não conseguia arranjar tempo para escrever tanto.
Hoje porém, senti uma necessidade enorme de te dizer tantas coisas. Você foi muito importante na minha vida. Nossas conversas, nossas brincadeiras, nossas delicadezas, nossas loucurinhas, ajudaram a formar meu caráter.
As musicas todas que marcaram nossa juventude, não consigo nem ouvir sem lembrar de você. Lembra aquele dia que você chegou em casa com o rosto todo branco de pomada? Que mico! Você passava pomada para curar as espinhas e naquele dia saiu à rua sem lembrar de tirar a pomada. Todo dia era dia de índio. Cara pintada. E o dia da praia que você e minha mãe brigaram por causa de uma salada ? Um queria com cenoura outro queria com pepino. Agora faço salada de pepino com cenoura.
Desculpa a demora para escrever-te. São cinquenta anos. Talvez seja muito tempo, mas nunca é tarde . Tive muitos altos e baixos. Muitos amigos, perdi alguns. Muitos parentes se agregaram a minha história, perdi alguns. Muitos anos de lutas, perdi algumas. Muitas vitórias, não esqueço nenhuma.
Sabe aquele perfume que você usava? saiu de linha! mas consegui guardar um frasquinho. Está quase evaporando.
Por que não te escrevi antes? Porque tinha medo! Agora tenho muito mais medo de perder a memória e não poder te contar o quanto você fez falta.
Depois dos 70 o Alzheimer fica por perto, eu não posso esquecer o tudo o que você me faz sentir, não posso.
Sabe, quando me pediu para eu escrever? Eu te escrevi no dia seguinte, mas não te entreguei a carta. Queimei. Não lembro o que estava escrito nela. Só sei que estava borrada de lágrimas e tinha um beijo com batom.
P.S. Ainda te amo!