Cartas de Saint-Michel - de minha alma viajeira

Querido Joseph

 

Te escrevo com muitas palavras, porque com poucas eu não sei escrever. Escrevo para falar dos meus sonhos viajeiros. Aqueles, assim, assim:

 

Viajar por aí, pra qualquer lugar, que seja para o meio de uma densa floresta, ou neve ou faça sol, ou tenha sempre chuva ou seja seco como no sertão de algum país... que tenha um lago, um igarapé ou um mar, um portão e uma campainha de antigamente, um céu azul ou lilás, ou pintado de claros e escuros, que seja um céu depois da tempestade que acontece dentro da gente...

 

Um lugar onde os pássaros voem livres no céu e tenha um prato para beber água, um chafariz para banhar-se, um coreto para cantar e um praça para brincar de escorrega... que tenha fitas vermelhas para dançar sobre as nuvens... Que tenha um caramanchão de flores refletidas no espelho, um cometa passando para contemplar o seu rastro nas horas da madrugada... um chão com tapete de nuvens de algodão para deitar... um música tocando no rádio... uma fogueira... um lugar que possamos chamar de Nosso Lar, uma casa desenhada no coração do Poeta por mãos que sabem dedilhar amor... ou numa casa-choupana, de palha ou de luar... no alto de uma montanha... onde flores nascem em pedras...

 

Queria viajar sem rumo, só olhando a paisagem, indo, parando... fotografando nosso idílio de amor na memória... queria conhecer um jardim... com uma casa... um portão de alamandas... uma casa com gatos na porta... que tenha uma cadeira de vime, folhas verdes e a porta entreaberta com um convite pra entrar...

 

Sonho viajar por aí numa nave, um balão ou um carrinho de antigamente subir a mais alta montanha, olhar a lua... as estrelas e tocar com as mãos cada uma, se conhecendo, fechando os olhos e fazendo pedidos um ao outro, igual mendigos de vida e fome de abraços e beijos...

 

Queria ir por aí, com ou sem data ou hora marcada, que esteja nos planos ou seja de surpresa... num dia de natal, que seja no meu ou no teu... Nada a fazer a não ser dar as mãos, caminhar, se olhar, falar... o tanto que já se disse, o que nunca foi dito, o que tanto precisamos... o que só pode ser dito ao pé do ouvido... um lugar de abraçar e amar... em silêncio, só sentindo um ao outro... se entregando à paixão... na plenitude do que pode ser... um lugar que cure as feridas com o bálsamo do amor, do carinho.... um lugar que possamos dizer: vamos fugir... e viajar... só nós dois... pode ser em qualquer lugar, aqui ou lá... contanto que seja no teu coração... e que haja um poema em tuas mãos e uma carta de amor nas minhas. que acaricie nossas almas famintas de luz, realize todos nossos mais insanos e loucos desejos e faça deles a nossa sempre eternidade... queria... sair com você por aí... e ir... para... um... lugar... onde haja um entardecer ao teu lado e um alvorecer em teus braços...

 

Queria ir, sair por aí com você... e que nunca mais voltemos sozinhos para dentro de nós... mas sempre juntos, sempre perto, sempre dentro um do outro, em eterno amor e adoração.

 

Com sempre saudades,

De tua Marie.

Num dia de domingo de um setembro de 1989, olhando a Abadia de Saint-Michel, onde nossos corações dormem entrelaçados para toda a eternidade.