Carta aberta às vítimas do meu amor

Você me conhece, sabe bem: meu coração não consegue bater em silêncio. Sinto de um jeito intenso, quase absurdo. Dentro de mim, existe um céu imenso, onde alço meus voos, como um pássaro solto no mundo. Se você me viu voando assim, me viu como poucos puderam ver: no meu íntimo, no meu secreto, meu lugar predileto. Sou feliz nesse voo solitário, e quero compartilhá-lo com alguém que não exija meu canto, que deseje me ver seguindo adiante, ainda que em um voo distante, que não me prenda, mas que aprenda e me surpreenda. Sou um pássaro preto, sem grandes pretensões, apenas desejando ser o céu, só isso. Interessado, livre, curioso, apaixonado pela vida, uma folha em branco de papel, o apito do trem na hora da partida.

Nos meus voos, quando encontro alguém, nunca seguimos sozinhos. Levo um pouco dos outros comigo e deixo um pouco de mim em seus caminhos. Sou fácil de ter por perto, mas difícil de amar; se você quer me ter sempre, é difícil se acostumar. Você sabe disso. Porque a ironia da minha vida está em usufruir da liberdade. Não sei ser livre, de verdade. Sou um pássaro que se tranca na gaiola pela própria vontade. E ali, na prisão que criei, não suportei a dor de ser menos do que sou.

Meu amor é complicado, camuflado por um desejo intenso de ser visto e amado — mas amado pelo que sou de verdade, não pelo que crio para te conquistar. Dentro de mim, há um esforço doloroso para ser apreciado e, nesse esforço, às vezes sou amado. Mas não por quem realmente sou. Ah, como eu sei que a culpa é minha... Eu me estico, me moldo, me torno o que você deseja, aquilo que você idealiza. Não! Melhor: me torno aquilo que você precisa. Posso ser o seu pai sistemático, sua mãe motivadora, ser sabichão como seu irmão. Posso ser sua casa toda limpinha e organizada, seu abrigo, seu melhor amigo, seu professor da faculdade, seu instrutor da academia. Posso até ser o que você não queria, desde que o meu "ser" tenha alguma utilidade, seja qual for sua serventia.

Como um mágico, distribuo pequenas sortes na sua vida, fazendo você sentir que Deus te abençoou. De repente, a chuva não te molha mais, porque desvio as nuvens do seu caminho. Você nunca mais se atrasa, porque, quando perde o ônibus, envio uma carona inesperada. Sou capaz de fazer o dia amanhecer mais cedo, só porque sei que você gosta do sol. Como um gênio numa lâmpada, com todo o meu poder, me torno escravo da realização dos seus desejos. Crio essa persona que te encanta. Você sabe que minha presença te faz bem, te põe em movimento, te dá o amor que você não tem. Mas, no fundo, você suspeita que não seja real. "É bom demais para ser verdade", você pensa. E quando finalmente você aceita, eu digo adeus.

Adeus, pois sinto saudade do céu. Do lugar vasto e livre, onde existo sem esforço. Tento sair, mas não consigo. Joguei as chaves fora. Me debato, me desespero. E, num ímpeto quase violento, destruo o castelo de areia que construí. Tudo o que fiz por amor desmorona de repente, e você não entende por quê. Mas eu sei — sei que preciso ser livre, que me deixei aprisionar pelo medo de perder, e, pelo medo, te perdi.

Entenda que, junto ao meu desejo de ficar, brota o de me anular e o de te anular também. Nasce uma compulsão por saber até onde posso te satisfazer. Sei que nos machucamos, meu bem. Não quero mais ferir a mim, a você ou a ninguém. Escrevo isso com a sinceridade que me resta, com toda a verdade do meu coração. Quero ser livre. Quero que meu canto se espalhe por onde quer que eu vá, mas que também encontre repouso no calor de um abraço que nunca exija nada de mim.

E talvez, enquanto eu quiser, signifique que sou quem não está pronto para ficar. Não vou encontrar esse descanso enquanto não aprender a amar.

Mozart Sávio
Enviado por Mozart Sávio em 17/08/2024
Reeditado em 25/09/2024
Código do texto: T8131179
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