Canto da Floresta (2)

Floresta do Ser, lua cheia de inverno

Querida Flor,

A lua está quase cheia e em seu reflexo no rio, encontrei a sua imagem. Revelou-me como está o seu mundo e por esse motivo, percebi que chegou o momento de uma nova carta. O que vi, foram ondas de aflição em uma noite escura, sem lua ou estrelas, só havia tempestade e ventania. Então escrevo, na esperança que, de alguma forma, meus sentimentos e preces atravessem essa tempestade e iluminem sua escuridão - que é também, minha.

Menina, escute. Tem algo que a impulsiona e pulsa, ainda agora, em você. Silencie alguns minutos...o que sente? Apenas sinta, seja em lágrimas, gritos, em cantos...Essa confusão, que está morando aí em sua mente, é porque está muito cheia e é preciso dar vazão a uma parte, transbordar para manter a sanidade; para encontrar o que está pulsando é preciso esvaziar-se do que está bloqueando o caminho. Expire essa fumaça de pensamentos que há tempos fermenta por dentro; expire a pressa, a ansiedade; expire a rigidez que corrói o prazer de viver e o próprio ser; deixe passar as vozes do desespero, do medo que paralisa, da vergonha que encolhe o existir, da culpa que sufoca o aprendizado e os bons movimentos. Inspire; inspire o ar; inspire as estrelas; inspire o mar; inspire os sonhos; inspire amor; inspire com consciência; inspire-se na natureza. E quando for preciso, caminhe; caminhe para se lembrar da força de suas pernas e pés, do corpo que sustenta o ser; caminhe para movimentar o mundo de dentro e conectar-se com o mundo de fora. E sempre que possível, dance; dance para integrar tudo o que há, todos os seres que vivem em você; dance para celebrar; dance na tempestade e vai perceber a coragem viva; pois sim, há coragem, há força, há beleza, há vida.

Sei que tem sentido uma solidão imensa, como se estivesse sobrevivendo nas profundezas do oceano, o seu suspiro chegou como um forte sopro em meu coração e a senti. Perdeu a fé m si mesma e afundou, não sente pertencimento ao mundo em que habita. No entanto, vejo e sinto você, sua presença, está viva. Se perdeu a confiança, vá fiar junto com o todo, fie no próprio caminhar, até compreender que é parte desse tecido e dos fios de cada encontro. Não espere mais; não perca mais tempo de vida esperando ter ou mudar algo em seu ser para seguir em frente; quantas vezes forem necessárias lembrarei você: é com cada passo que cria o caminho; é na jornada que tece a confiança, a força, a coragem; as mudanças acontecem no viver, integrando o seu ser com os fragmentos dos aprendizados do caminho e de outros seres. Lembre-se da criança aventureira que carrega por dentro, deixe que ela conduza em alguns momentos, existem barreiras que somente ela é capaz de atravessar. Ouça sua voz: cada ser é um canal ou uma ponte para lugares, saberes e universos diversos; cada encontro é precioso, permita-se vivê-los.

Se pudesse enxergar com meus olhos, veria sua própria luz. E até que possa, vou trazer o que esqueceu em cada carta, com cada canto e flecha que conseguir lançar dessa floresta.

Por fim: você não se lembra, mas sabe nadar; está na hora de deixar o fundo e rumar em direção aos raios de sol, a bússola é o seu próprio coração - sinta-os. Há um barco esperando você, entre nele. Então saberá para onde remar, a lua cheia iluminará seu trajeto. Desejo que encontre uma bela e enluarada noite.

Com amor,

C.