Canto da Floresta (1)

Floresta do Ser,

Inverno antigo de um momento atual

Flor,

Escrevo para trazer notícias do lado de cá, pois não me visita há algum tempo. A vida segue, ora caminhando, às vezes voando.

Sei que agora só consegue enxergar as cinzas de tudo que foi queimado, mas gostaria de dizer que existem outras perspectivas; talvez, por estar invertida, no seu centro exista apenas escuridão, se for o caso e o chão estiver em seu céu, peço que tente mudar o olhar e encontre também os cantos, pois lá estarão as cores, formadas em cada encontro entre luzes e sombras. Talvez então, possa transformar e ascender sua visão. Está vendo? Nesse momento, pousou em uma árvore morta, um pássaro - e ele começou a cantar.

Vejo você. Vejo você, mesmo que esteja escondida dentro do abismo do medo e atrás das rochas do passado. Não é preciso grandes movimentos ou escalar algo que pareça imenso. Pequeninos passos bastam. E saiba que não está sozinha, não ignore as cordas e as mãos que estão ao seu alcance, pedir e receber ajuda é uma lição preciosa da jornada. Sinta também a força de seus pés e pernas, de seus braços e mãos, de seu corpo e espírito (mesmo que a princípio os ache pequenos e fracos).

Esqueça a pressa, não se perca em uma rotina de excessos que falte com você, descubra seu ritmo e siga com suas danças. A única real urgência é a da vida e para ela, são necessárias pausas e respirações profundas, dar o tempo de ser tocada pelo o que também está vivo, pelos abraços dos seres, das águas e mares, dos ventos, da terra, do aroma das flores, do calor do sol e do fogo, dos seus ancestrais e seus saberes, dos espíritos amigos.

Acalme seu coração. Esqueça um pouco as respostas, deixe que as perguntas vivam e movam o seu ser. Solte-se de algumas crenças e se desfaça de certezas que separam você de sua essência e de oceanos de sonhos e encontros. Para ser revelado o que é verdadeiro, é preciso parar de mentir para si mesma e de sabotar seus movimentos. Basta de acreditar naquilo que faz paralisar. Foque no que aumenta sua chama, no que a chama por inteiro. O que faz você viva? Se não sabe mais, experimente o que um dia fez e o que nunca fez - e divirta-se nessas aventuras e na criação desses mapas que tragam você de volta à vida.

Sei que quer podar partes suas, que gostaria apagar certos defeitos, sentimentos e trajetos; mas deixe-os viver também, um dia vai descobrir que fazem parte da melodia que é. Então, se a vergonha por aí chegar, dê a mão pra ela e diga: "tudo bem você existir, você faz parte, eu sinto você, mas não vou deixar de ir e de viver tudo o que tenho para viver, vamos juntas, pequenina amiga" - Passar vergonha faz parte da vida, aprenda a rir de si mesma com ela. Acolha e escute os que forem chegando, mas lembre-se de que a decisão de como seguir é sua, você é a protagonista da sua própria história e é responsável por ela; e não esqueça de deixá-los irem quando tiverem cumprido o papel que vieram cumprir.

Minha querida, pare de perder tanto tempo ficando irritada pelas coisas que não controla. Menina, nada, nada, nada, além de suas escolhas estão sob o seu controle, nem as consequências dessas (embora seja responsável por elas). O caos faz parte. Os erros, as doenças, as mortes...tudo é parte da caminhada e acontece todo o tempo até que cesse o caminhar. O equilíbrio é a dança de tudo isso - e não é possível sem os desequilíbrios e as quedas. A frustração que sente, deriva da não aceitação de todos esses fragmentos que estão e estarão presentes, inclua-os.

E o medo? Sei que tem sido seu companheiro há muito tempo, mas esse relacionamento não está saudável. Não quero dizer que precise mandá-lo embora, mas tem que se lembrar, se quiser ser, que ele não é você, está deixando-o decidir coisas importantes da sua vida...Quantas portas você fechou porque ele mandou? Quantos seres deixou de encontrar por estar amarrada nele? Quanto calor perdido por ter sido congelada? Tenho tanto pra dizer que não caberia aqui, mas por favor, deixe-o ir em alguns momentos, para que ambos possam respirar. E em outros, leve-o com você, vá com o medo mesmo. A coragem vem do movimento e não antes, ela é criada na força dos passos. Sei que o medo parece muito grande agora, mas é só porque está sentada enquanto ele está em pé e estão muito próximos, experimente uma certa distância e se levante, verá que ele tem o tamanho de uma criança, a adulta é você, meu bem. E nessa criança, irá enxergar o que ele guarda, as feridas que quer proteger, irá escutar suas mensagens, pois não estará gritando alto em seus ouvidos de forma incompreensível, então poderá cuidar dele, sem estar sob seu domínio. A impotência, que tanto sente, é por não enxergar o tamanho que tem: não é muito grande e nem muito pequena, é suficiente e capaz; além disso, é na soma de braços que se amplia o poder, na conexão com "nós", com o todo e com o movimento e a sabedoria do próprio amor e compaixão.

E se ainda não for possível seguir, tudo bem, estarei aqui. Vou continuar a enviar essas cartas, esperando que façam sentido e possam ajudá-la a voltar ao seu coração. Desejo o melhor para você.

Com saudades e amor,

C.