Rodoviária

Rio de Janeiro, 23 de janeiro de 2024.

Escrevo esta carta para dizer adeus. A partir deste momento, me desfaço de mim mesma e desfaço os laços do amor incondicional que, ao invés de me amparar, me acorrentam a rótulos que não me cabem. Deixo para trás aquela menina que, desde muito cedo, aprendeu a se virar sozinha e amadureceu rápido demais.

Neste movimento de fim, deixo de ser a vítima para protagonizar aquilo que me pertence: eu mesma, minha própria vida, a essência de mim. Dei um basta nas lamúrias e nas comparações intermináveis e torturantes, pois ser quem gostariam que eu fosse é...

Não caibo em uma caixa, tampouco posso atender às suas expectativas: sou o que sou e o que serei no futuro, portanto, não pertenço a ninguém, nem a mim mesma. Em diferentes momentos serei doce e gentil, teimosa e birrenta, chorosa e dramática, amor e ódio. Acha que consegue lidar com isso?

Meu corpo mal consegue comportar o tamanho do meu caos, da minha angústia de liberdade, então certamente você não será capaz de me conter em momentos de crise.

Gosto da liberdade de ser, e você gosta de pertencer. Quando estou aqui, no meio da multidão, sinto a pluralidade da vida, e isso é contagiante demais para deixar de ser vivido. Você quer estabilidade, uma casinha de cerca branca com uma cadeira de balanço para ninar os filhos enquanto observa o pôr do sol.

Eu quero isso para você, mas não para mim. Sou uma pessoa diferente da que você conheceu há 29 anos, então preciso de espaço para deixar transbordar os sentimentos que calei e afoguei dentro das lágrimas que há muito tempo sufoco. Meu peito está se desfazendo das mágoas e finalmente posso abraçar meu demônio interno: ele se parece muito com você quando era pequena, olhos inocentes, sorriso fácil e carente de amor, lembra?

Nunca mais permitirei que te machuquem, e por isso eu te liberto depois deste último abraço. Você sempre será parte de mim: frágil e muito machucada, gentil e pouco amada. É difícil te deixar para trás, por isso o papel pode ficar manchado com as minhas lágrimas.

Por favor, entenda que este adeus é um ato de amor porque, neste momento, não posso mais te levar comigo.

Não se preocupe, um dia nos reuniremos naquele breve momento feliz no quintal de casa e empinaremos aquela pipa no céu azul e sol escaldante.

Bom, preciso partir, pois meu ônibus já vai deixar a rodoviária. Deixei lá em casa as máscaras que você desenhou para mim, pois já estão desgastadas. Não se preocupe, por onde eu passar sempre poderei comprar novas máscaras e vesti-las conforme a necessidade. Só você conhece a minha essência, meu âmago.

Eu te amo e me amo também.

Sempre sua,

A.B.

Amanda Brasiliano
Enviado por Amanda Brasiliano em 09/07/2024
Código do texto: T8103397
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