UMA CARTA ABERTA

À pequena Josi do passado, eu escrevo esta carta aberta e digo: nós estamos conseguindo.

Você realizou seu sonho e se tornou professora, dando aulas para crianças pequenas como você foi um dia. Nelas, você sempre encontra um pouquinho de si mesma. Você também escreve e já publicou cinco livros.

Tirou a carteira de motorista e, acredite, você tem um carro. Muitos disseram que você não iria conseguir e, por alguns momentos, você duvidou de si mesma e desejou desistir, mas conseguiu e tem as chaves da própria liberdade.

Você ainda mora na mesma casa de antes; agora ela é verde e você ainda dorme no mesmo quarto da infância. A diferença é que agora ele é só seu.

Nós perdemos ela. Foi em um final de tarde de inverno ensolarado de julho. Ela se foi em seus braços e nós nunca vamos superar a dor e a saudade que se instalaram em nosso peito.

Eu ainda me encontro com você; aliás, quase sempre vejo os mesmos olhos ingênuos e gentis que costumava ter. Você é a minha memória afável da infância e desejo voltar ao passado para viver no conforto que ele traz.

À pequena Josi do passado, eu digo que sobrevivemos apesar dos dias terríveis que passamos.

Você ainda não gosta dela, mas a cada dia tenta perdoá-la um pouco. O abismo entre vocês se tornou imenso e não sei se podemos superar isso um dia.

Você se apaixonou e várias vezes deixou seu coração se enfeitar com o brilho do amor. Você é feliz e independente e preza sua liberdade acima de tudo.

Você tem poucos amigos, mas eles costumam ser carinhosos e leais com você.

Nós ainda gostamos das mesmas músicas e nos emocionamos juntas com as lembranças que elas trazem dos domingos de manhã. Você amava os domingos de manhã, lembra? Hoje eles já não me trazem a mesma emoção, então dedico todas as manhãs de domingo a você.

Você é forte e determinada e teve que abandonar seus medos, ou então teria perecido.

Você perdeu o medo dos temporais e ganhou outros menos racionais.

Nós amamos viver e acordamos dispostas a viver cada dia com alegria e gratidão. Antes de dormir, ainda apreciamos aquela velha oração que fazíamos com a vovó.

Você tem tatuagens, embora nunca tenha pensado em fazê-las. Também grava vídeos para a internet e não tem vergonha de falar em público.

Você ainda gosta de comidas caseiras e nunca aprendeu a cozinhar, prefere filmes de romance e, toda vez que viaja, deseja nunca mais voltar. Aquele sonho de se mudar sozinha para uma cidade desconhecida e começar uma vida nova ainda nos persegue, mas confesso que não sei se terei coragem.

Nós ainda não sabemos andar de bicicleta, mas você nunca se importou com isso, sempre preferiu ter asas e não rodinhas.

Coleciona livros e adora observar o céu azul de nuvens branquinhas e fofas, você ainda gosta de desenhar nela com os dedos, mas não se importa mais com os dias nublados ou chuvosos, você aprendeu a ver a beleza da vida até mesmo neles.

Você mudou mas ainda tem a mesma alma antiga que venera flores e belezas que ninguém repara, ainda gosta de céu estrelado e escreve por não saber falar.

Nós crescemos, e em três décadas nós nunca nos abandonamos. Eu sou você e você sou eu.

Josih Romano
Enviado por Josih Romano em 07/07/2024
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