Carta de um divórcio
Queria te beijar não de repente, lembra? Todos aqueles encontros marcantes e memoráveis nasceram da espontaneidade. Era todo teu no vislumbre. Eram afetos reais e imaginários que comporiam a cena final de qualquer conto/fábula.
Contudo, toda estação do ano troca suas folhagens. Mas nós nunca. Eu te amei no de repente. E agora nesse casamento, sou eterno. E isso me dói. Nada mais é espontâneo. A convivência tornou-se conveniência. A novidade morre para dar espaço à familiaridade. Talvez não era isso que queria contigo. Te quis como o bater de asas de um beija-flor. Quase expondo como nossa relação seria e de você não esperava mais nada, pois toda surpresa se dissipava: era tudo tão previsível.
De fato, te queria para beijar no de repente. E aí então o coração palpitaria como em um filme de comédia romântica melosa. Visualizei os nossos de repente's para nossos futuros filhos hipotéticos, e eles te olhariam e falariam "de repente nasci" e nossa risada seria tão gostosa e espontânea de criança com cócegas.
Não é mais. Quando te vejo na porta e já penso no tédio até a monotonia. Teu beijo se tornou vago e seco. A vivacidade morreu. Mas tu gostas desse cotidiano insano. Não me leve a mal: me apaixonei por ser de repente, não você. Minhas asas merecem o vento fresco da manhã. Merecem a surpresa. Adeus.