Carta ao filho que não nasceu

Meu amado filho, ainda lamento por você haver sucumbido ao ódio e à indiferença, sem ao menos ter o direito de existir.

Por onze semanas te carreguei em meu ventre, por onze semanas senti novamente meu coração pulsar e a motivação para viver que há muito tempo havia se esvaído do meu ser. Por onze semanas eu pensei que voltaria a ser uma mulher feliz e realizada, mas infelizmente, você se foi. Sua perda precoce e repentina me fez chegar à conclusão que nasci condenada a frustrações. Sinto como se eu não tivesse o direito de ser feliz, mas eu fui feliz e muito, ainda que por apenas onze semanas.

Toda inveja, despeito e todo sentimento ruim que colocaram em seu existir, simplesmente por me verem sorrir. A paternidade negada, sua existência rejeitada, todo ódio em torno de você, tão pequeno, tão frágil, apenas um bebê em formação, uma sementinha que alegrava meu viver. Contudo, todo mal que desejaram fizeram você sucumbir, e assim, meu coração ruiu e no fundo do poço eu caí.

Eu que sempre fui forte, lutadora, que sempre demonstrei ser inabalável, tive que me despir da armadura invulnerável em que me escondi durante toda uma vida e me permitir sofrer esse luto. O luto por você, meu filho amado. Tão amado quanto os outros, também sofreria por eles, mas naquele momento foi você que eu perdi, foi por você que sofri, pois desejei muito tê-lo em meus braços, o filho da minha maturidade. Você seria minha alegria, a felicidade dos meus dias com o avançar da idade, mas para algumas pessoas tomadas pelo preconceito, pelo despeito e pelo desamor, uma mulher solteira não deve ser mãe, uma avó não pode desfrutar da alegria da maternidade, afinal, já cumpriu sua tarefa, cabe a ela apenas cuidar do neto e ver os outros viverem enquanto definha em sua velhice. Não! Recuso-me a limitar-me a esse fim. Sou mulher jovem, cheia de vida! Quero suspirar de amor, quero viver! Quero maternar, ainda que queiram me calar. Para aqueles uma mulher não pode ter voz, nem vez, para viver o que deseja. Em um mundo feito por homens e para homens, uma mulher não tem o direito de ser feliz, a menos que lhe permitam, a mim já bastava o existir.

Meu filho amado, você representa todos os meus sonhos não realizados, todos os projetos privados de sua realização pela maldade do coração. Sua partida, tão precoce representa todas as vozes silenciadas, que não tiverem o direito de se exprimir. Depositei toda minha expectativa em você, por isso sem você eu sucumbi e rapidamente no fundo do poço me vi, mas saiba que me reergui e por amor a você me redescobri.

Você se foi, eu nunca saberei como seria seu rostinho, eu nunca saberei como é tocar sua pequenina mão, mas saiba que naquelas onze semanas que você crescia em meu ventre, sua existência fez em mim, uma verdadeira revolução. Depois de você eu jamais serei a mesma. Sua perda inesperada me desmoronou, mas ainda assim me reergui, toda dor que senti me destruiu, mas me reconstruí, pensaram que seria o meu fim, contudo, mais uma vez do poço eu saí e hoje sou vitoriosa por amor a ti. Para sempre serás meu filho amado, sua memória será para sempre memorial de minha renovação, para sempre estarás em meu coração.

Eu juro, filho meu. Por ti eu juro. Enquanto eu viver não me calarei, pelo direito das mulheres lutarei, pela sua liberdade bradarei. Enquanto houver fôlego em meus pulmões, a minha caneta como arma usarei para deixar um mundo melhor quando eu partir. Almejo romper toda forma de desigualdade e segregação, seja por sexo, raça, cor ou orientação, dessa forma espero honrar sua memória, o bebê que sucumbiu à repulsa e à maldição.

Obs. Essa carta recebeu menção honrosa no "Concurso Literário - Oneyda Alvarenga”, do Cefet - MG em 2023.

Iza Diadorim
Enviado por Iza Diadorim em 29/05/2024
Código do texto: T8074325
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