Cartas Perdidas de Ocelot I - 5

Caro tio Donan,

Antes de qualquer coisa, quero tranquilizar o seu coração, avisando que Dulcélia está aqui comigo. O senhor deve saber que na última carta que escrevi, avisei que estaria indo até vocês para levá-la a qualquer lugar distante e seguro. De fato, eu peguei apenas o necessário e parti rumo ao leste. Porém, fui surpreendido quando ainda estava ao sul das montanhas quando vi aquele vestido vermelho inconfundível. A princípio acreditei que estivesse delirando ou sonhando acordado, mas quando ela também me viu ao longe tive certeza de que estava acordado. Me senti mais vivo do que nunca, para falar a verdade.

Apenas depois que segurei Dulcélia em meus braços, notei o sangue em suas vestes. Não pensei duas vezes e a carreguei comigo de volta para nossa casa. Tio, eu ainda não sei como ela resistiu a viagem, saindo daí até aquele lugar e depois comigo até aqui. Apenas, não se preocupe, eu sei que não foi culpa sua. Ela já não estava pensando bem, devido a perda de nosso filho. E também não houve tempo suficiente para receber minha última carta antes que Dulcélia fugisse de sua casa. Eu o agradeço por tudo o que fez por nós. Eu tratei o sangramento de seu ventre, usei toda a medicina que minha mãe me ensinou, e agora aguardo minha amada se recuperar, enquanto lhe escrevo esta carta.

Porém, ontem recebi uma visita inesperada. Talvez não tão inesperada assim. Pela manhã cedo, após fazer a mistura de ervas para Dulcélia, alguém bateu à porta. Meu primeiro pensamento foi o de fugirmos, mas lembrei que ela não estava em condições. Quando olhei pela fresta da porta, tive certeza de que morreríamos naquele momento, pois havia soldados cercando toda a pastagem em volta da casa e um homem parado na entrada. Abri esperando o pior.

De forma bem resumida, o que aconteceu se deu por causa daquele soldado que ajudei. Ele contou para alguns colegas sobre termos salvo sua vida. Esses colegas foram falando para outros e a história sobre “um Yanshunense que cuidou de um Carnaunense” chegou aos ouvidos do principal líder combatente de Carnaum.

O homem disse se chamar Stofer e simplesmente meio agradecer, mas também tirar a história à limpo - para saber se era verdade, mesmo. Eu imaginei que se o Anfur contasse para alguém sobre nossa existência tão perto da fronteira e do campo de batalha, os inimigos bateriam em nossa porta para arrancar nossas cabeças - talvez com o ego ferido -, mas jamais imaginei que viessem agradecer. Não foi uma conversa longa. Ele disse que talvez ainda houvesse um pouco de dignidade em Yanshur. Quando todos foram embora, quase despenquei no chão de alívio. Talvez tenhamos um pouco de paz, a partir de agora.

Com carinho,

Seu sobrinho, Ormano

M Henrique
Enviado por M Henrique em 23/04/2024
Código do texto: T8048307
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