Carta para Rose Stteffen

Belo Horizonte, 3 de janeiro de 2008.

Rose, beijos

Começarei do zero.

Não há mesmo outro início para trocar idéias.

O que há para ser feito entre o passado e o presente?

Tantos feitos e de preferência, sem remendos.

Não ficarei a torcer memória até que o caldo escorra entre meus dedos.

O que passou, passou. E ainda bem que passou...

Sobrevivi.

Aliás, sobreviver diz muito mais que viver porque é difícil tentar respirar quando o ar falta.

E, por mais que a poluição não permita, usar máscara alivia os brônquios.

E quem não tem um jeito próprio de mascarar-se?

É que depois que subi em vários muros, já sei o que há do outro lado.

E por mais que fantasie, o outro lado continua sem muitos atrativos.

O que sei é que mascar o dia não torna a noite mais promissora e nem mais palatável.

Os antepassados estavam certos, é preciso mais que um navio para prosseguir viagem.

Os mares são salgados e as rotas exigem bússola.

Por isso é que tem uma semana que espero pela chuva.

Estou perdendo a voz de tanto rogar por ela.

O que é uma semana comparada à vida toda? Uma gotícula de nada.

Vou dizer, já derrubei castelos, já desfiz montanhas, já construí árvores...

Já ergui castelos, já escalei montanhas e tornei a árvore, celulose.

Já fiz o meu papel.

Ei! O tempo tá passando e não sei onde mais procurar a luz...

Sabedoria? Que sabedoria? Nada sei do tudo que existe.

Ontem eu tinha o riso, hoje, gargalho!

E sorvo o fogo e lacrimejo o desejo.

É assim.

Nunca temi o desconhecido. Tenho que desmistificá-lo.

A audácia é a minha defesa. Sempre foi.

Algumas raridades fazem bem à alma.

Hoje, 6ª feira, redescobri a garra.

Bem subjetivo e bem alternativo.

Não tenho acessos de ira.

Não tenho acessos de choros.

Mas tenho uma urgência de vida que não sei lhe explicar.

Andei lendo Proust.

Deve ser isto.

A vida não entra, ela sai.

É andarilha temporal.

Morro a cada segundo e, no entanto, não desejo a morte.

Quando chegar a minha hora, não quero ter que levar bagagens não desfeitas.

Por isso a urgência.

Preciso desgastar a unha para que eu não me arranhe

porque o papel do meu personagem está sempre em cena.

Fique bem, amiga.

Dôra Leal