SOBRE A QUESTÃO DA VIOLÊNCIA EM PROCESSOS REVOLUCIONÁRIOS E DA HUMANIZAÇÃO DO CAPITALISMO - Segunda Carta a Paulo Gussoni

Uberaba, 16 de março de 2024.

Prezado Paulo Gussoni

A associação entre revolução e violência, frequentemente destacada em críticas ao processo revolucionário, merece uma análise mais aprofundada, especialmente à luz das experiências históricas como a Revolução Russa. É fundamental reconhecer que, embora a revolução possa envolver atos de violência, essa violência não é um objetivo em si, mas uma resposta à resistência violenta da classe dominante à perda de seu poder e privilégios.

A experiência da Revolução Russa de 1917 ilustra claramente esse ponto. A tomada de poder pelos bolcheviques, inicialmente, foi relativamente pacífica, o que contradiz a noção de que os trabalhadores insurretos são intrinsecamente violentos. A violência subsequente, incluindo a guerra civil entre os bolcheviques e os russos brancos, foi em grande parte uma consequência dos esforços da burguesia e de seus aliados internacionais para derrubar o novo governo soviético através de meios violentos. Nesse contexto, a violência exercida pelos trabalhadores e camponeses deve ser vista como uma forma de autodefesa contra a agressão da classe dominante.

Comparo a violência revolucionária às "dores do parto" de um novo mundo. Assim como o parto envolve dor e sofrimento, mas resulta no nascimento de uma nova vida, a violência revolucionária, embora lamentável, pode ser necessária para o nascimento de uma sociedade mais justa e igualitária. Isso não significa que a violência seja desejável ou o primeiro recurso dos revolucionários; pelo contrário, muitas revoluções buscam inicialmente mudanças por meios pacíficos e só recorrem à violência em resposta à repressão.

Além disso, é importante destacar que a violência estatal exercida pela classe dominante contra os movimentos populares e revolucionários é frequentemente mais intensa e sistemática do que a violência desses movimentos. A história está repleta de exemplos de governos utilizando forças militares e policiais para reprimir brutalmente protestos pacíficos e insurgências populares, muitas vezes com o objetivo de preservar estruturas de poder desiguais.

Portanto, ao considerar a relação entre revolução, abolição de sistemas opressivos e violência, é crucial analisar o contexto em que a violência ocorre e quem são seus principais agentes. A violência revolucionária, quando ocorre, é frequentemente uma resposta à violência sistemática exercida pela classe dominante para manter o status quo. Nesse sentido, os esforços para construir um mundo novo, não significa violência, se essa se dá, é em autodefesa da violência exercida pelos que querem se manter no poder.

Por um outro lado, a ideia de um "capitalismo mais humano", mencionada na sua mensagem. frequentemente surge como uma resposta às críticas mais severas ao sistema capitalista, propondo uma versão do capitalismo que, em teoria, seria capaz de equilibrar crescimento econômico com justiça social e sustentabilidade ambiental. No entanto, é importante analisar essa proposta à luz da estrutura fundamental e das dinâmicas do capitalismo.

O capitalismo, por sua natureza, é um sistema econômico baseado na propriedade privada dos meios de produção e na busca incessante por lucro. A acumulação de capital, que é o motor do sistema, depende fundamentalmente da exploração da força de trabalho e da extração de recursos naturais, praticamente sempre sem considerar os limites ecológicos ou o bem-estar social. Essa lógica inerente ao capitalismo cria uma dinâmica de desigualdade crescente e degradação ambiental.

A desumanização não é, portanto, um acidente ou um desvio corrigível do capitalismo; é uma característica intrínseca a este sistema. Para maximizar os lucros, o capitalismo necessita não apenas da exploração da força de trabalho, mas também da flexibilização ou remoção de direitos trabalhistas e sociais, conquistados através de longas e árduas lutas por movimentos sociais e sindicais. Quando a conjuntura econômica ou política muda, frequentemente vemos tentativas de reverter essas conquistas sob o pretexto de "reformas" necessárias para a competitividade econômica ou a sustentabilidade fiscal, como observado na Reforma Trabalhista no Brasil e no desmonte do “estado de bem-estar social” em várias partes da Europa.

Além disso, a necessidade de expansão constante e acumulação de capital leva a uma exploração insustentável dos recursos naturais e ao desrespeito pelas limitações ecológicas do planeta. Isso se manifesta não apenas na destruição ambiental, mas também na promoção de guerras e conflitos para assegurar o acesso a recursos e mercados.

Argumentar pela existência de um capitalismo "humano", com todo respeito, ignora essas dinâmicas fundamentais e, por mais bem-intencionado que seja, acaba por ser uma forma de utopia reacionária. Não se trata de negar e lutar pela possibilidade de reformas pontuais dentro do sistema, mas essas reformas são invariavelmente limitadas e transitórias pela lógica do próprio capitalismo e, muitas vezes, são revertidas ou neutralizadas pelas forças de mercado.

A busca por um sistema mais justo e sustentável exige uma transformação profunda das bases econômicas, políticas e sociais da sociedade. Isso envolve não apenas a superação do capitalismo, mas a construção de uma sociedade nova que priorize as necessidades da maioria da sociedade e ecológicas acima do lucro de um punhado de ricaços. Tal transformação é, sem dúvida, um desafio monumental, mas é essencial para a criação de uma sociedade que seja verdadeiramente justa, equitativa e sustentável.

Finalizado essa missiva, convidando-o para melhor conhecer as posições do marxismo revolucionário, que nós do PSTU sustentamos.

Atenciosamente,

Adriano Espíndola Cavalheiro

=-=-=-=-=-=-=

Segue abaixo comentário de Paulo Gussoni que respondo com essa carta. No atalho ao final dele, o leitor encontrará todo o contexto que o debate aqui travado foi realizado.

Prezado Adriano, muito obrigado pela consideração da resposta e pela abertura a discutir conceitos que nao quero julgar sem entender, que foi o principal objetivo de meus questionamentos, que sugiro trazer ao seu texto para que o leitor que não os viu tenha o contexto. De início, fico feliz que o que buscam não seja nenhum dos regimes citados estalinismo, maoismo, castrismo ou boliviarinismo. Por outro lado, as palavras revolução e abolição de um sistema não podem ser dissociadas de violência e autoritarismo, coisas que eu não apoio. Elas tiram o valor de várias das propostas que soam bem, como economia verde, formas democráticas e participativas de gestão, solidariedade internacional e educação que promova consciência crítica. As pessoas são diferentes, é bom que não haja unanimidade, pontos de vista diferentes refinam ideias boas e ajudam a rejeitar as ruins. Acho que entendi melhor seu pensamento, respeito, não bate com o meu. Creio que um capitalismo mais humano e obtido por consensos seja mais viável e que sempre haverá uma diversidade grande de modelos econômicos e políticos e que isso é bom, diferentes pessoas podem viver em nações com valores e modos de vida mais adequados ao que desejam. Novamente agradeço a resposta, me ajudou a confirmar que, tal qual o marxismo original, o que vocês do PSTU defendem não é para mim. Espero que continue divulgando sua visão, sempre aprendo com pessoas que pensam diferente de mim. Grande abraço e que correntes diferentes de pensamento combinadas possam levar a uma sociedade melhor!

Paulo Gussoni.

=-=-=-=-=

Atalho para entender a polemica:

https://www.recantodasletras.com.br/cartas/8019486