Van Gog, amigo distante
Seus girassóis me encantam, caro amigo.
Me encantam como se deles extraisse a alma mater que compõe a humanidade. São verdadeiros anúncios de tempos esperados e portadores das mais inauditas notícias.
Eu, caro amigo, me curvo frente aos seus girassóis, me curvo porque neles encontro o repousar de um espírito belo e amável. É bonito olhar os girassóis e ver a sublime leveza que só os de espírito livre são capazes de expressar.
Não é sua culpa a ignorância do mundo. Como todo sentimento, às vezes, são igualmente alvo da incompreensão, não o culpo pela cegueira do mundo no seu tempo. Como culpa-lo se espíritos rochosos e mentes turvas, entregues às convenções mesquinhas , não foram capazes de olhar, como você olhava, a beleza e perfeição da natureza? Não se culpe se não foram capazes de ver o que você via. Não se culpe se seu coração, belo, tal qual os girassóis, não era o mesmo dos outros. Não há que falar de culpa quando a turvação do olhar da alma já se manifesta no regozijo da ignorância. É preciso muita dureza de espírito para não perceber o lindo canto do pássaro e as cores das flores. Porém, o tempo, esse abismo de incertezas, tem ele seus próprios meios. E, como se quisesse nos dizer algo ignorado no seu tempo, traz , para nossa felicidade, sua arte antes rejeitada. Traz seus girassóis como a água ao que tem sede. É o resplendor de novas possibilidades, de novas vivências. Assim, caro amigo, o tempo, a seu modo, se vinga da ignorância dos seus contemporâneos. A arte póstuma, talvez, tenha seu próprio sentido; não sabemos. Todavia, preciso dizer, seus girassóis venceram a ignorância. Seus girassóis, como o Sol que aquece o frio do inverno, aquecem a alma de quem almeja vida.