Encontrada em minha mesa pela manhã

Sabe, Zé, eu não aguento mais você me deixar falando sozinha. Eu sei que você escreve o dia todo e sai do escritório cansado de palavras, mas já está demais. Fazem meses que você não troca uma palavra comigo, sai do escritório pro banheiro, pra cozinha, e volta para lá. É como se eu nem estivesse aqui.

Você me chama de musa, de inspiração, de sonho encarnado, me elogia de mil nomes e me descreve mil vezes em seus textos. Então por que não me olhas? Não me diriges palavra? Está cansado de mim?

Eu sei que já não faço mais o jantar, nem deito ao seu lado para dormir, nem rio sozinha das suas piadas, mas é normal, não é? Esfria as vezes. O amor, eu digo. Ficar anos e anos ao lado da mesma pessoa é monótono, mas é um desafio. Vamos encarar ele juntos, Zé, vamos fazer isso valer a pena.

Olha pra mim, só uma vez.

Eu sei que eu estou feia com as cicatrizes do acidente. Eu sei o quanto te machucou ficar ao meu lado no hospital. Me machucou também. O trauma é tão grande que eu nem lembro como chegamos em casa. Me lembro de acordar ao seu lado, chorando. Você não parou. Você não me abraçou. Você não me olhou.

Você age como se eu não estivesse aqui. Como se eu não existisse. Mas eu estou aqui. Eu estou bem aqui. Você não me toca, não me escuta, finge que não me vê, mas eu estou aqui.

Me olha, Zé. Para de agir como se eu fosse um fantasma. Me dá outra chance.

...

Zé?

Ariel Alves
Enviado por Ariel Alves em 21/11/2023
Código do texto: T7937158
Classificação de conteúdo: seguro