Cartas de Saint Michel - de 1889
Tu eras também uma pequena folha que tremia no meu peito.
O vento da vida pôs-te ali.
A princípio não te vi: não soube que ias comigo, até que as tuas raízes
atravessaram o meu peito, se uniram aos fios do meu sangue,
falaram pela minha boca, floresceram comigo.
(Pablo Neruda)
hoje, meio ao silêncio da abadia, encontrei essas linhas que expressam o que tanto queria falar. foi assim. foi assim. foi assim que você foi chegando e ocupando lugar no meu coração. assim, bem de mansinho, devagarinho, foste tocando cada parte de meu ser até mesclar-se a ele. há séculos já estavas ali e eu ainda não te via, não percebia. mas, já te sentia.
e quando te vi, ah! quando te vi... foi naquele dia... em meio as folhas amareladas dos plátanos. foi ali, sob a copa frondosa daquela árvore que me veio à mente as linhas de uma poesia. e então foi como se as portas de um imenso mundo se abrissem para mim. e vi você. e vi a mim. e descobri meus sentimentos mais íntimos. e descobri você.
descobri que esse mundo que agora se abria diante dos meus olhos acontecia dentro de mim. já há muito tempo. eu precisava agora descobrir como me apropriar dele.
mas esse não era o primeiro passo. o primeiro passo era contar para você. porque queria fazer você feliz. era só o que desejava o meu coração naquele momento. minhas mãos tremiam. os lábios também. e eu busquei você. e tentei falar. mas tímida, envergonhada... nada consegui falar. fiquei lá, ouvindo sua voz sem nada conseguir dizer. lágrimas escorriam de meus olhos. soluços se fizeram ouvir por entre as árvores do jardim. não conseguia ainda falar dos meus sentimentos. não tinha conseguido fazer você ser feliz. nem que fosse por um único momento. não consegui.
e hoje, olhando as estradas, os caminhos que percorri, olhando teu mundo apagado de mim, eu vejo, que ainda não consegui fazer isso. eu falei tanto. disse tanto e no entanto nada consegui falar. e o que foi dito. e o que foi feito. tudo isso, só afastou você de mim.
quando eu brigava comigo mesma, com meus princípios. quando eu brigava com meus conceitos e preconceitos. quando eu lutava para me livrar de tantos e tantos nós que me embrulhavam e me amarravam dentro de mim, você estava ali. comigo. e, quando me libertei de tudo isso e permiti que meus anseios, meus sonhos, meus desejos, meu amor fluíssem para fora de mim, você se escondeu atrás de conceitos, preconceitos e princípios que nos mantém longe um do outro.
por isso hoje eu queria te dizer que tu já vivias em mim antes mesmo de eu me conhecer. que já estavas ali, antes mesmo de eu saber. e que agora, meu coração não pode, não quer e nunca vai te esquecer...