Ao eu ignorante,

Talvez, eu jamais teria me questionado acerca de uma identidade latino-americano se não estivesse a cursar a disciplina: “Estudos Interdisciplinares na América Latina”. Não haveria melhor forma de iniciar esse diálogo do que pautado na sinceridade. Reconhecer ignorante é o primeiro passo. Por que não havia antes pensado nessa construção de identidade? Esse questionamento secundário me invadiu recorrentemente na escrita dessas palavras. Não farei deste espaço meia culpa, porém algumas respostas começam a fluir em mim.

Dado ao colonialismo, fomos oprimidos e vedados de pensar por nós mesmos, o Outro viu-se na posição de determinar uma identidade, assujeitou nossas vivências, de maneira que muitas vezes não nos enxergamos nem como brasilidades, em suas mais diversas nuances, seja cultural, social, histórica e identitária. Nessa perspectiva, durante as últimas semanas entrei em colapso reflexivo, ao ponto de não conseguir engendrar uma escrita que a priori me parecia fácil.

Eu acredito que a Literatura, espaço que tanto me penetra e transcende, me ajuda a compreender um lugar de inserção, permanência, mas sobretudo de trânsito, ou melhor, movimento. Poderia o anti-herói brasileiro ser um dos primeiros arquétipos latino-americano? Macunaíma nasce dos deslocamentos da Modernidade, de um movimento híbrido e cultural que representa (aqui como palavra-chave na Literatura) uma heterogeneidade de vozes, histórias e símbolos. O personagem fronteiriço ressoa um mito fundador de nação na medida que se hibridiza com aspectos pós-coloniais, isto é, para além de um binarismo eurocêntrico, conquanto, um processo de busca constante e infindo de identidades.

Macunaíma em seu itinerário pelo Brasil revela uma multitemporalidade no enredo, que dialoga com o passado e o presente, envolve tradições orais, registros escritos e mapas desgeográficos. A rapsódia de Mário de Andrade questiona o “brincar” (sexualidade), a “preguiça” e a “esperteza” (cultura letrada e não-letrada), a “magia” (ritos), etc., ao modo que o locus social contamina-se com um hibridismo, se transforma ao dado momento cultural, social, político, ideológico e histórico.

Nesse ensejo, retomamos a pergunta inicial, ainda sem um clivo final, ser latino-americano é estar em lugar diaspórico, ou seja, de pertencimento e não pertencimento de uma ideia sólida de povo, entretanto, de sua dispersão em razão da globalização e fluxo de informações. Pode ser que estejamos tal como Macunaíma, atrás de uma identidade unificada, que em seu cerne se apresenta multifacetada, plural e ambígua.

Com atrasos e com muitas reflexões, Jorge Barbosa.

Jorges Barbosa
Enviado por Jorges Barbosa em 19/10/2023
Reeditado em 19/10/2023
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