Espera
Santos, 27 de setembro de 1921.
Querida Laura,
Minha remanescente esperança proferiu aos primeiros raios solares e canto de pássaros ávidos por voo e movimento, um dia perfeitamente idílico.
Não pretendo ser prolixo, mas se lhe escrevo novamente é em corolário a ausência de resposta para a carta que lhe enviei anteriormente. E desta vez não há como culpar o Departamento de Correios e Telegráfos. Sei que recebeste em mãos, pois investi pesadas taxas.
Já era tempo de receber sua resposta. Talvez tenha lhe surgido alguma intempérie pelo caminho ou talvez seja mais um dos seus alheamentos que tenha feito a missiva deslizar por entre alguma fresta.
E por isso não posso festejar o cinza que tornou-se o dia. Me pus preso no tempo, rodopiando como um peão tonto. Em vão, até que por fim tombei, às 17h. Quando todas as correspondências da rua foram entregues, e nenhuma era sua.
Jurei não lhe ser cínico na última vez que nos encontramos pessoalmente. 1 ano? Talvez um pouco mais. Porém assim como a intrínseca condição humana, denominada ingratidão, que faz com que meros mortais, outrora lutadores pela sobrevivência, agora sejam capazes de não darem valor ao pão de cada dia, o deixando ressecado a mesa, assim está meu coração, duro como esse pão. E a atrabílis desperta em mim essa melancolia incessante.
Os segundos me escapam por entre os dedos. Meus dias baseiam-se desde então em rame-rame e tribulação. A única coisa que me acalma é contemplar o mar. Parece que irei vê-la surgir a qualquer momento como emergindo das ondas. Você que parece ter o poder de controlar as marés que sempre mudam, o mar não, ele permanece o mesmo.
Por isso que por mais que sua ausência seja devastadora, junto meus cacos e ponho me mais uma vez nesta labiríntica espera.
com carinho
Inácio