ESPELHO
Tétrico reflexo
De uma figura amargurada
Lamento em segredo uma saudade silenciada.
Presa ao espelho numa espécie rígida de nó
Estudo os traços de uma face erótica, divina por si só.
Investigo com olhos aficionados
a anatomia dos teus lábios lapidados,
procuro os resquícios deles em mim
e me pergunto: quantos olhos enfeitiçados já foram capazes de te enxergar assim?
Hemorrágica,
Derramo sobre o mundo a minha própria teogonia inventada,
e de ti faço o mais belo deus imaginado,
De todos os delírios o mais impossível e também o mais idolatrado.
Penso que meus versos hão de dar-te vida,
Algoz de mim mesma, me ponho de lado
Balanço meu estandarte no ar
Vermelho reluzente, em curvas, mas alijado,
E não me vejo estancar...
O pêndulo oscila afiado em minha direção,
Não me deixa escolha que não seja te livrar de uma melodia que toca ao contrário,
um agouro ou talvez uma espécie de maldição.
Porque te adoro e em meus afetos sou voraz
Escolho te oferecer nada menos do que paz,
E sem querer te deixar, peço que vá,
No que consentes sem qualquer objeção,
Te vejo partir,
e me vejo sem chão.