Carta aberta de mãe para o filho

Carta aberta de mãe para filho adolescente

Meu amor,

Quero que saibas que passei por tudo o que passas neste momento, que odiei ser adolescente e crescer devagarinho, que sofri desgostos de amor, e foi terrível porque era o fim do mundo, o fim do meu mundo aonde nada mais fazia sentido, tudo era triste e em cor cinza. Escrevia noites a fim em desespero de causa e tantas vezes na iminência de desistir, mas não aconteceu, porque o tempo revelou que tinha imenso para viver, o tempo trazia-me inúmeras surpresas e tu eras a primeira delas, da qual me mostrou que viver valia a pena e tudo fazia sentido em ter aguardado. Não penses que crescer é uma maravilha, não é!

É tão difícil, é difícil ser aceite numa realidade que é extremamente exigente connosco.

Difícil nos encontrarmos... É difícil perceber que viver obriga-nos a aceitar que morrer é algo normal, nos trás

perdas irrecuperáveis, irreparáveis e algumas sem ter tido tempo de um até já.

É difícil aceitar quando não cumprimos os objetivos a que nos propomos e quando tentamos voltar atrás já se passaram 20 anos, é terrível percebermos que magoamos as pessoas que amamos e arcar com as consequências, é difícil perceber que envelhecemos, e a beleza vai-se tornando madura ao longo do tempo, que as rugas não desaparecem e a barriga não regressa ao sitio porque não nos sobra tempo ou paciência para tratar dela. É ver os filhos crescerem e isso implica que nós também crescemos e a nossa cabeça parece que embruteceu e vive com alzheimer uma vez que se esqueceu de todas as asneiras que fizemos ou dissemos.

Quero que saibas que ainda hoje para lá dos quarenta apesar de a exaustão que me persegue teimosamente eu tento todos os dias entender-te e inúmeras vezes que não consigo nem ouvir, nem ver, nem conseguir comunicar sem gritar. Porque isto é duro, é duro quando te desprendeste e disseste:“ isso é o primeiro dos três”.

Bom, levas um murro no estômago, cais sem forças e tens uma saudade incomensurável que me destitui do papel de mãe. Como se os teus dezoito anos tivessem passado num ápice que não me sobrou tempo para te agarrar lá trás e ficar ali aninhada em ti para me preparar lentamente para o teu voo.

Fui adolescente sabes? Fui incrivelmente adolescente, cantei altíssimo, dancei imenso. Bebi e vivi noites sem fim. Conheci o toque físico mais tarde do que queria. Ri e chorei demais... Os meus amigos eram tudo e a família estava esquecida, la atrás … Vivi uma imensidão de sentimentos, escrevia noites imensas … Longas a jarros de café e música aos berros, ao som de U2, Peter Murphy, Nirvana e Pearl Jam.

Dossiers e dossiers, centenas de cartas, de palavras e por vezes em desespero.

Quando achei estar no fundo do poço, descobri que era apenas o fundo do túnel, e lá bem ao fundo estava iluminado e o caminho não acabava nunca, mesmo quando a vida acaba existe um outro lado.

Cresci rodeada de tudo e de todos e tantas vezes sentir-me mais só seria impossível. Aos dezoito anos percebi que as pessoas morrem, mesmo aquelas duras que achamos impensável ver partir da qual lidei á minha maneira cedo demais e abandonei-me á sorte.

Quando cresci caiu-me nos braços a perda, o sentimento que é irreversível trazer de volta e a maior tareia que a vida me trouxe até hoje, e continuei em pé, mesmo posteriormente a cair numa cama e achar que depois disso pouco me sobejava para me erguer....

Mas é mentira, sabes que continuamos sempre de pé e mais do que isso continuamos a andar, a perda ficou lá atrás e apenas trazemos a voz e o cheiro por algum tempo, depois disso apenas a memória do que vivemos juntos no passado e um vazio que nos acompanha.

Fui tão feliz e não sabia… Isto é duro, é duro crescer, como vês.

Quero dizer, ainda não vês, como eu não via. Não te importa, como não me importava. Porque os teus problemas são a causa maior da revolta e neste momento nada é mais intenso.

Fui uma criança que teve uma mãe e pai num só, que já não me lembro da parte da ausência.

Uma adolescente que se desprendeu num momento que pareceu um segundo. E uma rebelde sem causa, só porque o meu mundo era maior daquele em que eu cabia. E fingir uma serenidade que estava longe de viver em mim.

Arrempendo-me de tantas coisas, tal como te irás arrepender, faz parte do crescimento. Isto é uma chatice sabes? Uma grande merda às vezes ser crescida, Cheia de obrigações, sem tempo, sem pausas, sem reflexões, sem dinheiro e algumas vezes sem amor-próprio. Isto e uma grande merda quando a vida nos prega partidas que não sabemos lidar com elas, porque nos são novas e achamos sempre apenas acontecer aos outros. Por vezes não sei como duro até hoje. Em tantos riscos que corri e nas alhadas que me meti, aquelas em que provavelmente te vais colocando também.

Quero que saibas que é possível amar para sempre, mas isso meu amor só descobri quando me escolheste para te carregar até este lado a que chamam vida.

Quero que saibas que já fui como tu, uma saltimbanco nas responsabilidades. Na azia da solidão e no grito da euforia.

No desentendimento execrável que te persegue alguns dias e pensas que nada nem ninguém te compreende. Nos saltos que tens que fazer para te manteres de pé até entenderes que é possível ultrapassar factos reais, é algo que se faz caminhando lentamente e com calma.

Que te entendo, mesmo quando não consigo ouvir. Mesmo quando a azáfama do trabalho faz-me esquecer dos momentos que ambos precisamos juntos ou separados.

Sabes pintassilgo, foste a minha primeira vez. O meu amor incondicional A minha maior dor física que mais valeu a pena nunca ter desistido e cedido ao desespero Porque todas as razões que me poderiam roubar a vontade de estar viva no momento que te gerei simplesmente se dissiparam.

Posso ter sido meio doida. Entre o equilíbrio e o desequilíbrio total. Mas encontrei o meu rumo, meio a tropeçar, mas fui fazendo e aprendi que o melhor do mundo é a família, a nossa, aquela que construimos dentro do nosso casulo e os nossos amigos, porque estes meu amor, são aqueles que nos casam, que assinam connosco os papeis do divórcio, que nos voltam a casar, nos acompanham e aos filhos e nos levam á nossa última morada.

Quero que saibas que quando me disseste que a universidade este ano não era uma escolha, não era o caminho, eu chorei uma noite inteira, chorei porque sonhamos tanto

para os nossos filhos que quando a realidade não os qualifica como idealizamos sentimos uma ponta de frustração, mas já me convenceste sem saber que tu é que tens que conhecer o teu timing, porque eu com dezoito anos também á porta da faculdade desisti, porque eu aos dezoito anos queria dançar, teatro, literatura e moda, queria varias coisas porque não sabia qual a que realmente me espelhava a alma.

Não me sentia preparada, ainda andava aos saltos e simplesmente também não era o caminho e isso encontrei e foi a porta de entrada quando nasceste, porque aí sim queria ser maior, crescer, ser alguém porque senti que estava na hora de travar, por ti, por ambos, porque aí estávamos os dois, e não eu.

Por isso te digo, isto de ser crescido não é simples, mas nós complicamos todo o santo dia… Está no sangue do ser humano complicar… O universo do mundo adulto exige responsabilidades acrescidas, objetivos diários e uma luta entre o correto e o errado.

O mundo que nos rodeia de inocência tem pouco, mas de genuinidade e genialidade ou inteligência emocional ainda acredito que exista, e isso é que me fortifica a alma e

me levanta todas as manhãs. Afinal levantar significa que temos o privilegio de estar vivos e quando a noite chega sentimos que tivemos mais um dia para marcar a nossa diferença no mundo, mesmo que seja aos próximos que me rodeiam. Gosto mesmo disto, mesmo quando

me entrego a uma tristeza absoluta e me fecho

em copas, mesmo quando me desiludo e me revolto, sim sabes que isso acontece connosco também? Gosto mesmo disto, porque uma noite de energia positiva, um olhar sobre a natureza na fusão com o por do sol, um abraço e um toque daqueles que amamos faz com que toda a exaustão, correria valha a pena.

Não é o fim do mundo, estás proibido de viver o fim do mundo sem mim, estás proibido tal como não te deixava voar, o meu fim do mundo será visto da mesma janela do que tu.

O amor é uma treta, mas é o que me move hoje em dia.

O amor levanta a nossa autoestima tal como dá cabo dela

O amor não é o pendente, é a corda

O amor leva-nos para a direita ou para a esquerda, tal como a corrente.

O amor sem tudo isso não tinha a mínima graça

Só ele nos dá a comparação, o choro interminável e as gargalhadas que nos põem de gatas. O tato, o paladar, a força e o sonho.

O amor é uma treta Mas como Miguel Esteves Cardoso escreveu“ O amor é

Fodido” e não vivemos sem ele.

E a vida não é menos e sim é mais , por isso é que me dá gozo

vivê-la

Dá-me gozo escrevê-la.

Ergue-me quando caio e me apazigua a alma quando a mesma está completamente deturpada e com distúrbios.

Não queiras crescer depressa demais, porque isto passa depressa de mais e não é reversível Acaba por tudo ir sendo tarde. Mas faz-nos mudar sempre alguma coisa, livre arbítrio.

Não queiras chegar á minha idade a correr, porque isso implicava eu já cá não estar ou estar mais velhinha para te acompanhar á mesma velocidade.

Hoje correr contigo já não é fácil. Entender-te basta ainda olhar-te de

frente e refletir-me ao espelho…

O meu amor por ti, é indescritível

É exclusivo vosso

Sou mãe, mas também sou filha.

E um dia fui tal como tu…

Como te digo tantas vezes que me obrigas a recuar vinte e cinco anos atrás e reviver os meus erros, a viver a imensidão das escolhas e a cabeça inconstante do medo da perda, da solidão consistente, da realidade e do facto que eu queria tanto crescer.

Cresci depressa demais, e agora pintassilgo voa.

Voa com força, ergue-te e escolhe o caminho. Estou a ver-te da janela, voa e ensina-me que nem sempre as escolhas são as que nós queremos como mães, mas as que vocês querem.

Obrigada meu amor por teres-me feito recuar no tempo e teres-me levado á escrita… Aqui ficava a noite inteira, sem ti do meu lado, contigo nas minhas palavras.

Perdoa-me se o tempo me roubou de ti tantas vezes, meses e anos. Perdoa-me se me senti perdida entre dez coisas para fazer.

Perdoa-me meu amor, mas como te disse o amor é uma treta, porque nem sempre é como queremos, e quase nunca nos deixa minutos de sossego, porque a rotina acaba por tantas vezes connosco, enerva-nos e exalta-nos, e esquemos de abraçar, de ouvir e de olhar, esquecemo-nos do quanto isso é o mais importante, e isso reflecte todos os modos de amar. Nem sempre dizemos as palavras certas no momento certo, é algo que irá acontecer sempre.

Falho todos os dias, cometo os mesmos erros inúmeras vezes, porque faz parte.

E isso também nos dá um certo gozo, quando nada sai como esperamos, dai a vida ser uma caixinha de surpresas…

Como vês afinal entendo muita coisa, e hoje já ri e já chorei por recuar a ti, á tua idade, a mim.

Obrigada por seres meu filho, por teres-me escolhido.

Por não ter vergonha de gritar publicamente o que fui e o que sinto por ti.

Nasceste “Ontem” e ainda te carrego no ventre. É para sempre

Amanhã coloco-me em bicos de pés e tento agarrar-te mais um bocadinho.

Um brinde aos dezoito anos que nos separam que por segundos foram 365 dias de diferença.

Joana Sousa Freitas
Enviado por Joana Sousa Freitas em 19/08/2023
Reeditado em 19/08/2023
Código do texto: T7865018
Classificação de conteúdo: seguro