Quando culpam as mulheres pelos abusos

Quando eu tinha 16 anos de idade eu estava sem trabalho e procurando emprego. Então eu ia, como sempre, na casa da minha vó ajudar com as tarefas. Era num sítio - lugar onde eu nasci. Essa vó era a mãe da minha mãe.

Meu tio solteiro, irmão da minha mãe, morava com ela. Ele bebia muito. E um dia ele não voltou da roça e eu e minha vó fomos procurá-lo. Achamos os bois com a carroça, mas nada dele. Nós começamos a procurar pelas matas e foi anoitecendo. E eu não conhecia tudo por lá. Corria em direção a mata para a direção da casa de um vizinho - pensei pedir ajuda lá, já que minha vó era muito idosa e não enxergávamos nada em meio à mata.

E foi assim, na corrida que não vi uma cerca de arrame farpado. Na velocidade que ia não consegui parar e acabei me jogando contra a cerca. E fiquei lá, pendurada, com o sangue jorrando da barriga e das pernas e dos braços. Essas cicatrizes eu tenho até hoje nas pernas... e na barriga...

Mas achei meu tio - o encontramos deitado no meio do mato. Eu pensei que ele havia morrido, mas ele estava completamente embriagado e adormecido. Eu e minha vó o carregamos para a carroça, eu toda ensanguentada, mas anestesiada pela dor de medo de que ele tivesse morrido. O levamos pra casa... e deixamos na varanda, não conseguimos levá-lo pra dentro...

Minha vó me deu banho numa banheira oval gigante - de lata - com água morna e sal... por isso, quando falavas de sal nas feridas - em tuas cartas - me impressionavas e impactavas tanto... eu vivi isso... era como os antigos tratavam, curavam as feridas.

Dias e dias eu tomava banho de água morna com sal - doía muito, mas foi sarando. Depois a vó passava banha de porco... era o que tinha... então quando falavas de dor, de sofrimento, de feridas... eu me via nesse sofrimento e em todas as tuas feridas...

Esse meu tio, uma noite, completamente embriagado, veio no meu quarto e me beijou... eu acordei... me assustei e gritei. E a vó veio em meu socorro. Daquele dia em diante eu dormia com ela...

E nunca mais tive liberdade para olhar nos olhos dele. Eu tinha vergonha do que ele fez. Eu me sentia culpada achando que eu tinha feito algo pra ele fazer isso comigo.

É assim que a sociedade faz a mulher se sentir quando é abusada: CULPADA!

A Montanha Azul
Enviado por A Montanha Azul em 13/08/2023
Reeditado em 13/08/2023
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