Amigo Van Gogh
Ah, amigo Van Gogh. Amigo que conheci nos quadros, porque na vida, não foi possível; sou de um tempo que ultrapassa em quase dois séculos nossa amizade. Gostaria de tê-lo apertado as mãos. Talvez caminhado contigo nos campos de milho, ou, até, quem sabe, ser um dos trabalhadores Comedores de Batatas. Poderia ter sido o balconista na pensão em Saint-Rémy ou ajudante do Sr. Père Tanguy, sim, ele mesmo, o gorducho simpático e educadÍssimo, seu fornecedor de tintas. O jovem com pescoço de touro, O Zuavo, seria eu se colocasse um gorro vermelho e se tanto tempo não nos separasse. Ver os girassóis no meu jardim imaginário e os seu Girassóis espalhado pelo mundo em reproduções, me fez recordar que meu gosto por essa flor nasceu no instante que fui agraciado com o seu. Campo de Trigo com Corvos, tenho a impressão que os corvos foram espantados por alguém, a seu pedido, para proporcionar a bela cena imortalizada no quadro homônimo; poderia ter sido eu a tê-los espantados. Mas não, como disse, sou de um tempo de quase dois séculos a frente de sua existência. Outro dia senti falta de um chapéu da mesma cor e modelo do do Dr. Gachet. Não fosse o tempo decorrido, eu tenderia a dizer, até com um certo prazer, que meu chapéu serviu para compor um dos seus mais representativos trabalhos. Todavia, amigo Van Gogh, me sinto cada vez mais seu amigo. Seu Quarto, em Arles, pode acreditar, é tão parecido com o meu, porém, considerada minha incapacidade de pintar, meu quarto fica imortalizado na memória, pelo horror da bagunça. O seu, caríssimo amigo Van Gogh, o seu, tão simples quanto o meu, é de uma calma tão comovedora, que se parece com uma cela de um religioso. Agora mesmo, nesse exato instante em que escrevo estas linhas, estou a olhar a reprodução da tela Père Tanguy, de 1887, numa revista de história de Arte. Como vê, amigo Van Gogh, conhece-o graças a estas publicações sobre sua vida. Ler sua biografia, acredite, me fez mais próximo de ti. É estranho e engraçado como nos sentimos próximos de pessoas que não chegamos a conhecer, porém, e não saberia explicar, como me sinto tão companheiro de ti. Não me peça explicações, amigo Van Gogh, mas, cada vez que tenho contato com alguma obra ou aspectos da sua vida, sinto uma certa comunidade entre nós.
Outro dia, aqui nos trópicos, houve uma noite tão estrelada que não pude deixar de pensar em ti. Sua obra Noite Estrelada, me sugere um tempo hoje tão necessário que ao ver nos trópicos uma noite estrelada, acredite, quase chorei, ao imaginar como seria se você tivesse visto. Mas não. Não era possível. Então ficou apenas a conjectura. Enfim, coisas da vida.
É, meu amigo, não me faltam palavras, mas, não convém encerrar uma "conversa" que se inicia com quase duzentos anos de distância, então, para que não pareçamos dois malucos, vamos manter nosso contato pelas suas obras , isso já me faz muito feliz. Saudoso abraço.