Para a voz da loucura
Dentre os sussurros matutinos que escuto, sei que sua voz me avisa, em tom de ausência, detalhes dos quais sou incapaz de notar. As lamúrias e tormentos que desfazem meu esforço de deixar a vida me levar, nada mais são do que sinais do quão distante eu fui e do quão descuidado deixei o meu eu-físico. Ah, querida voz da loucura, como pude ser tão tola em não notar?! Pois a loucura que dizem pregar meu desequilíbrio nada mais é que a minha sutil resistência, já distante, afastada e derrotada, do ventriloquismo deles. Daqueles que cobram perfeição sem notar o quão tortos são.
Dividir e conquistar foi o que fizeram durante tantos anos. Dividiram meu corpo d'alma que deveria estar ligada a ele. Dividiram minha capacidade de decidir da de obedecer, como se obediência fosse o único atributo de valor que eu pudesse ter. Sem notar, dividiram até a ideia de quem estava ao meu redor, desmanchando os grupos de quem deveriam me apoiar para quem só quer me ver enquadrada, alimentada no punhado de renda, casa e família. Se dividiram e continuam a se dividir, até restar fragmentos e ruínas que não mais nos representam, logo, se fará jus sermos somente grãos de areias em comparação ao universo, pois seremos o verso do que nos uni.
E eles marcham e marcham, erguendo e estampando as bandeiras do frágil sucesso que pregam ser a verdade. Espalham falácias sobre liberdade, alegando que não dá para prender a alma, sendo justamente o objetivo que querem, pois o que não se é palpável, não é lucrativo. Afirmam que se deres ouvido as vozes que te avisam que há algo errado, estás a beira da loucura e perderá tudo aquilo que não conseguiste, mas que lhe foi cedido, com o intuito de manterem o tão poderoso posto de soberano que ocupam. Ah, doce voz da loucura, como me foi demorado notar que a loucura nada mais é que meu eu na mais pura e singela forma, desejando ocupar o que me é de direito, sendo meu corpo, minha vida e meu próprio tempo.
Ass: Clara Nuvens.