Saint Michel, 17 de julho de 1989.

 

 

Meu querido Joseph, meu amor

 

Hoje chove em Saint Michel. A abadia se ergue silenciosa diante dos meus olhos enquanto os passantes seguem o seu dia com seus guarda-chuvas coloridos ou translúcidos de passos que caminham para alguma direção. 

 

É em meio à multidão que vivo meus momentos mais sós. Não me reconheço nas silhuetas que sobem e descem escadas, nem nas vozes que ouço tagarelarem futilidades e as buscas que só levam para fora de si... Quero ir para dentro, quero viajar mundos interiores, ver-me na dor e no amor da alma... 

 

Hoje eu lembrei da montanha, seu cume envolto em névoa reflete em mim a parte inalcançável de teus montes. À primeira visita eu vi o espelho da dor que sempre senti. Foi nesse momento que reconheci a outra metade da minh'alma da qual por milênios de vidas de mim eu perdi. 

 

Foi ali, beirando a montanha e o caos que vivias embrulhado, preso às tempestades da alma que vivi os olhos abertos para a vida, o acordar de um sono de tantos e tantos tempos e o despertar e o orvalhar das pétulas coloridas e deslumbrantes da flor... 

 

Tantos encontros e desencontros neste mútuo despetalar, neste descobrir sentimentos e conhecer a sua dor... e a sua plenitude, a paixão e o amor. 

 

Há um espaço de tempo entre as minhas e tuas palavras. Um lapso de universos que se formam entre as jambras de poeiras estelares e procuras infindas para se reencontrar. A voz do arauto das horas anunciou que só na alegria é possível o reencontro. Mas esta esteve presente em cada dia vivido, desde a ousadia de um voo de um pequeno colibri em busca do néctar da vida. E por isso, mesmo a dor tão presente, mesmo a tristeza latente, a felicidade por reencontrar-se no espelho da janela do tempo é inigualável. 

 

Tenho saudades do tudo que temos, saudades minhas, saudades suas, saudades do que nunca tivemos. Saudades do que foi e do que pode ser.

 

Sou você e você sou eu. Sou tua, você sabe. E quero ser aquela que atravessa o céu para te encontrar e te abraçar entre as estrelas luzentes, a que se movimenta no espaço e no tempo para contigo estar. 

 

Quero essa liberdade para criar, e essa confiança para errar e dividir... que tantas e tantas vezes me falastes... em palavras ditas e escritas... conquistar o desnudamento da alma e da mente, livre de todas as sombras de dor e sofrimento, buscar contigo o florescimento do conhecimento e do amor pleno e maduro no decantar de nossas palavras escritas.

 

Que nunca nos falte o amor, a paixão e a poesia. E que mesmo que a dor sempre faça parte de nossas vidas, que a saudade dos que partiram e não se encontram mais em nossa mesa de ceia de amor seja sempre presente, que possamos viver com intensidade nosso amor, saboreando cada instante como estivéssemos a sugar um favo de mel, o néctar de vida de uma flor... 

 

Te amo meu Joseph, meu amor querido:

eu também te amo Marie, meu amor!