Um conto para Mister Adams
Joseph Adams,
Que lindo nome você tem. Desliza pela boca como a saliva pela garganta. E aqui, mais uma vez, declaro minha alegria, ao manter contato contigo, e, mais ainda, por saber que anda bem. Pelo visto, bem acompanhado e apaixonado. Dê-me a honra de conhecê-la, por favor!
Bem, não pude te contar, naquela ligação, sobre o que aconteceu comigo, estava um tanto atarefada, como ultimamente tem sido. E, como ia dizendo, nesta semana algo sinistro ocorreu comigo. Vou começar...
Odeio pensar que nunca perdi o ônibus. Ao chegar ao terminal urbano, sempre tenho sorte de conseguir pegar o ônibus, mesmo quando o motor já está ligado. Mas naquele dia, fui permeada pelo pensamento de que nunca perdi o ônibus. Porém, para tanto, sempre há a primeira vez. E hoje ocorreu, porque pensei. Se não tivesse pensando, não teria perdido, aposto!
Chegando ao terminal, vejo sair o ônibus e mesmo correndo, não conseguiria alcançá-lo e o mais deprimente, o próximo demoraria sair. A estação estava escura, sombria, vazia... Não tive opção, sentei em um banco, um tanto receosa, contudo para a minha tranquilidade, tipo vou para o inferno, mas não sozinha, duas freiras tagarelando vinham em minha direção. Na verdade, em direção ao banco atrás do meu. Aí, me lembrei da época em que queria ser freira, que fui ao convento e tudo, mas desisti, não me recordo o motivo. E ali, passei 40 minutos ouvindo histórias sobre outras freiras que fizeram fofocas à madre superiora, ou que caíram da escada, ou até mesmo, que saíram às escondidas... Interessante essa parte Até pensei apanhar meu livro na bolsa e começar a ler, mas quem disse que conseguiria, com aquelas papagaias, praticamente em meus ouvidos. E assim foi...
O tão esperando ônibus, das 23:15, chega. Todos se dirigem para o ônibus, passo a catraca, um boa noite para o cobrador, sempre gosto de cumprimentar. Escolho um assento próximo da porta e da janela. Enfim, agora sim, posso ler, O apanhador no campo de centeio de J. D. Salinger. Não pense, por favor, que vou querer matar alguém após lê-lo, as pessoas especulam de mais. Bom, ao menos que alguém mereça...
As freiras foram para o fundo do ônibus. Outras pessoas também embarcaram. Não sei quanto tempo o ônibus ficou parado ali, só sei que quando me dei conta, já estava no meio do percurso. O livro estava bem interessante, apesar de muitas resenhas, dizerem o contrário. Começo a olhar por mais vezes o caminho. Geralmente, uns 3 pontos antes de descer, guardo o livro. Dei uma olhada no reflexo no vidro da janela, conseguia me ver bem, praticamente um espelho. Então, dei uma abaixada, com a mão, nos elétricos e teimosos fios de cabelo, e por um instante, percebo, pelo reflexo, alguém me olhando, dentro do ônibus. Essa pessoa me observava, me olhando diretamente. Baixei o olhar, tentei ignorar, mas eu conseguia sentir o calor de seus olhos. Eu já estava ficando sem jeito. Contudo, pensei, preciso encará-la e mostrar que não estou com cara de bons amigos, mas nesse instante, o motorista deu uma freada um tanto brusca. Segurei o livro, casaco e bolsa com se tivesse garras de gato, para não deixar nada despencar, me ajeitei no banco e lembrei de encarar a figura, mas cadê? Olhei por todos os lados e nada. Nem réstia da sombra, nem um fio de cabelo... E ninguém desceu, ninguém trocou de lugar, no que pude acompanhar, e agora? O que era? O que eu vi fora fruto de minha imaginação? Não, não pode ser! Era tão real, pude sentir sua respiração... Olhei mais uma vez em volta, meu ponto, puxei a cordinha e desci, mas restou a dúvida, uma incógnita, o que realmente era?
Enfim, Mister Adams, me dá uma luz do que você acredita ter sido.
Meu fraterno abraço.
De sua sempre lúdica garota,